segunda-feira, julho 19, 2010

O ESCRITOR FANTASMA (2010), de Roman Polanski



Se há mérito que ninguém pode retirar a Roman Polanski, é a sua capacidade de relegar para segundo plano os intermináveis tumultos com a Justiça que vai alimentando através de filmes que, rapidamente, se posicionam entre os melhores do seu ano de estreia. E este O ESCRITOR FANTASMA não é excepção: um thriller como já não se produz nos dias que correm, onde o suspense advém não do choque nem de intensas sequências de acção, mas apenas daquele "ingrediente" básico chamado expectativa.

Colmatando a ausência de explosões ou sustos, Roman Polanski constrói a sua "ameaçante imagem de marca" apostando na contenção de personagens e ambiências, ao mesmo tempo que aborda alguns dos títulos da sua carreira. Em duas horas de metragem, O ESCRITOR FANTASMA invoca desde a ilha quase deserta de CUL-DE-SAC — O BECO até à atmosfera noir de contornos políticos de CHINATOWN.



O protagonista (Ewan McGregor), cujo nome permanecerá sempre desconhecido, é um talentoso escritor fantasma — mas, subentende-se, um romancista falhado — que aceita o trabalho de completar a desinteressante autobiografia de um ex-Primeiro-Ministro Britânico no prazo estabelecido para a sua publicação. O livro foi iniciado por um anterior escritor fantasma, que morreu afogado perto da ilha onde o político, Adam Lang (Pierce Brosnan), vive com a sua brilhante e frustrada esposa Ruth (Olivia Williams). O Fantasma (chamemos-lhe assim) embarca no desafio por não resistir à oferta de um cheque de 250 mil dólares. Mas trata-se de uma bela com um grande senão — na verdade enorme, já que vê-se rapidamente preso no pântano de intrigas políticas e matrimoniais de Lang.

Encerrado na moderna e atraente casa de praia do seu anfitrião, procura concentrar-se na composição final da autobiografia. Mas o Fantasma não ficará alheio aos escândalos, suspeitas de crimes contra a humanidade e diversos pedidos de extradição (quem pretender encontrar uma analogia com a vida de Polanski sairá frustrado) que recaem sobre Lang, assim como ao passado diplomático obscuro de Lang que a pesquisa do escritor vai desenterrando.



Revelar mais pormenores das sucessivas intrigas e reviravoltas (nunca cansativas) que se desenvolvem a partir deste contexto é um risco ao pleno usufruto de O ESCRITOR FANTASMA da parte de quem ainda não o viu. Apesar das críticas que têm sido lançadas ao ritmo pausado da acção, tal elemento permite a devida apreensão de todos os elementos próprios do cineasta. No meio de estranhas coincidências, pressentimentos de ameaça e humor mordaz, Polanski forja um peculiar ambiente hostil em torno do protagonista como poucos conseguem fazer. Nem a Natureza é apaziguadora, já que o céu surge permanentemente cinzento e a chuva transforma a paisagem em neblina claustrofóbica.

O único ponto fraco poderá residir na sua conclusão, que tem tanto de genial como de descarada "economia" narrativa. Perante um twist final (sim, O ESCRITOR FANTASMA também o tem) de contornos quase retumbantes, os últimos fotogramas parecem exprimir, literalmente, a velha frase «palavras levam-nas o vento». Um sentimento similar poderá inundar o espectador, a quem é — no mínimo — abruptamente retirado o desejo de rever o filme sob a égide de nova perspectiva.



Palavra final para uma das melhores direcções de actores do presente ano. Ewan McGregor segura, com pujança, todas as rédeas deste thriller; Pierce Brosnan parece estar, finalmente, a anos-luz da imagem de James Bond, compondo um político com demasiados esqueletos no armário nitidamente inspirado em Tony Blair de forma jocosa e brilhante; Olivia Williams é tremenda enquanto mulher que passou demasiado tempo na sombra do sucesso do marido; e até Kim Cattrall (no papel da assistente pessoal e amante de Adam Lang), apesar da menor dimensão da sua personagem à qual se acrescenta o falhado sotaque britânico, é bastante aprazível, até pela nítida constatação de que nela a inexorável passagem do tempo não encontra lugar para "assentar".

O ESCRITOR FANTASMA já está no meu top ten de 2010. Não apenas por ser um filme de Roman Polanski (por quem já confessei predilecção), mas sobretudo por nos fazer crer que a formalidade do Estilo Clássico — e Polanski mostra-se, a cada novo filme, menos "frenético" — ainda encontra espaço nesta época de constante evolução e dinamismo técnicos.

10 comentários:

Dora disse...

Descobri uma versão mas estava em francês...tenho de esperar. Ando há meses à espera...

Sam disse...

Dora, já chegou às salas nacionais. Não percas enquanto estiver em exibição! :)

Creative Memories Scrapbooking disse...

I really enjoy movies that include Roman Polanski as the actor. The Ghost Writers is a great movie and I highly reccomend it to aspiring actors.

pseudo-autor disse...

De certa forma Polanski conta sua própria história atual nesse aqui... Belíssimo filme! E longa vida criativa ao agora livre cineasta.

Miss Murder disse...

Não sei porque ganhei uma certa aversão ao Polanski depois dele se meter com a criança de 13 anos...

Anónimo disse...
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