A velha máxima "nem tudo é o que parece" foi obviamente inventada para descrever o cinema de David Mamet. Na já extensa filmografia do dramaturgo norte-americano é fácil encontrar um tema recorrente: o bluff. Ao contrário do MacGuffin, um acessório narrativo para Alfred Hitchcock (talvez um pouco mais do que isso, o que não interessa discutir agora), o bluff é essencial para perceber a obra de Mamet, desde a estreia com JOGO FATAL (1987), que metia póquer, enganos e reviravoltas (a principal vítima dos truques de Mamet é o espectador), até às várias desconstruções de diferentes géneros cinematográficos: o filme de gangsters — AS COISAS MUDAM (1988); o policial — BRIGADA DE HOMICÍDIOS (1991); o heist movie — O GOLPE (2001); o filme de artes marciais — REDBELT — CÓDIGO DE HONRA (2008). E este SPARTAN — O RAPTO, um estranhíssimo filme de acção (Mamet haveria de voltar à "acção" na série de televisão UNIDADE ESPECIAL).
SPARTAN — O RAPTO aparenta ser sobre a operação de resgate da filha do Presidente dos Estados Unidos, e esse é o motor da acção, mas o que realmente interessa a Mamet é a encenação que encontra em qualquer universo (aqui, o político e o militar), a encenação que o própria monta (não há cinema mais artificial). O protagonista (o inteligentíssimo Val Kilmer, um grande actor que se perdeu na década de 2000 em filmes cada vez menores e engordou numa inversa proporcionalidade, e é um match perfeito para o mametiano William H. Macy; melhor, que, neste filme, se descobre como um actor mametiano) é, quase ao mesmo tempo, criador e alvo do logro. O engano atinge sobretudo o espectador, que apenas numa sequência está a par da encenação, mas ao vislumbrar os seus mecanismos intui que por trás de tudo o que lhe é dado a ver estarão outros. Por isso, o final — o salvamento improvável — parece ainda mais risível. Um pouco como todos os finais na obra de David Mamet, este põe em causa o próprio filme, até porque para o espectador "acreditar" nele tem de fechar os olhos (suspender a descrença) a incongruências espectaculares (no sentido, de serem espectáculo em si mesmas).
Mas não há sinceridade em qualquer gesto de Mamet, a começar nos diálogos sincopados e repetitivos (o "Mamet speak"), passando pelas interpretações cabotinas (perfeitamente intencionais) e a acabar nas histórias rocambolescas e inverosímeis. Apenas a crença no cinema como jogo de espelhos, jogo de enganos, jogo puro.
Elenco
. Val Kilmer ("Bobby Scott"), Derek Luke (Curtis), Tia Texada (Sargento Jackie Black), Kristen Bell (Laura Newton), Johnny Messner (Grace), Ed O'Neill (Robert Burch), William H. Macy (Stoddard), Clark Gregg (Miller)
Dramaturgo e ensaísta, foi capaz de transportar para a Sétima Arte todo o estilo cáustico, pessimista e eloquente dos textos que produziu para os palcos. Autor dos argumentos de OS INTOCÁVEIS (1987, Brian De Palma), SUCESSO A QUALQUER PREÇO (1992, James Foley) e HOFFA — O PREÇO DO PODER (1992, Danny DeVito), foi capaz de variar nos géneros que abordou em Cinema — JOGO FATAL (1987), BRIGADA DE HOMICÍDIOS (1991), STATE AND MAIN (2001) e O GOLPE (2001) — mantendo sempre a mesma eficácia dramática.
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