Antes do sucesso marcante de SANGUE DO MEU SANGUE (2011), NOITE ESCURA foi o mais importante filme de João Canijo e um dos mais brutais retratos de um Portugal sujo, sórdido, retrógrado e, para a maior parte de nós, escondido. A vida nas casas de alterne, cujo realizador pesquisou abundantemente, participando no filme algumas das alternadeiras que Canijo conheceu no processo, é concomitante com o Portugal retratado nos média, mas parece aqui um outro mundo, de violência e morte, de sordidez e redenção, de uma sobrevivência terrível e incestuosa em tons de vermelho escuro. Inspirado na Efigénia em Aulis de Eurípides, toda a sua ambiência de pesadelo é sustentada pelo aspecto lúgubre da casa de alterne, pela coexistência visual e sonora de campo e contracampo, pelos relatos reais que perpassam as cenas, pela interacção entre os tons de vermelho e negro e por um final exímio nos processos de catarse e pathos típicos da tragédia grega.
Coadjuvado pelo seu leque de actores tradicionais (Rita Blanco, Fernando Luís, Clélia Almeida), o mais parecido que temos com um grupo de actores à Fassbinder ou à Almodòvar, marca também o zénite, até ao momento, da carreira cinematográfica dessa fabulosa actriz que é Beatriz Batarda, aqui responsável por uma transfiguração que raras vezes (nunca?) vimos no cinema português. NOITE ESCURA era suposto ser o primeiro de uma trilogia de filmes sobre o Portugal profundo inspirada por tragédias gregas. Se o segundo filme foi em frente e redundou em MAL NASCIDA (2007), o terceiro, ao que se sabe sobre a máfia nacional, ficou por fazer, alegadamente por motivos orçamentais. Sobrou-nos este grande filme, dos melhores que Portugal viu na década passada.
Elenco
. Beatriz Batarda (Carla Pinto), Fernando Luís (Nelson Pinto), Rita Blanco (Celeste Pinto), Cleia Almeida (Sónia Pinto), Natalya Simakova (Irka), José Raposo (Nicolau)
Palmarés
. Globos de Ouro Portugal: Melhor Filme, Melhor Actriz (Beatriz Batarda)
Sobre João Canijo
Um dos cineastas portugueses mais versáteis da actualidade, a sua obra tem sido dedicada à observação das contingências sociais e psicológicas nacionais — o ênfase nas heroínas de FILHA DA MÃE (1990) e SANGUE DO MEU SANGUE (2011) —, com um olhar profundo sobre o passado — no documentário FANTASIA LUSITANA (2010) — e as vivências dos portugueses na diáspora — GANHAR A VIDA (2001).