segunda-feira, março 13, 2006

THE DOORS - O MITO DE UMA GERAÇÃO (1991), de Oliver Stone



Foram várias as vozes que, durante um período incontrolável de críticas difamatórias, apelidaram Oliver Stone de "Oliver Stoned". Tal foi evidente durante a estreia de ALEXANDRE (2004), obra que ficará na história como o «filme-maldito» da carreira do cineasta, uma alcunha motivada pelo tom cáustico, acelerado, multicolor e alucinogénico impresso à película, cujo pequeno movimento de culto gerado em seu torno não erradicou essa imagem negativa.

Assumindo, desde já, que tenho a tendência para admirar o que os outros abominam (e o vice-versa também se aplica), considero haver, no currículo de Stone, uma outra obra, anterior a ALEXANDRE, que já lhe valeria o tal epíteto de Stoned — e pelas melhores das razões. Falo-vos de THE DOORS, a biografia "não autorizada" da mítica banda rock e centrada na figura do seu vocalista. Muitos menosprezaram os aspectos principais do produto final — assim como tem sucedido com a maioria do trabalho do realizador —, mas considero este título um dos melhores eventos cinematográficos dos anos 90, devido à poderosa "arquitectura" visual que ostenta. Não é segredo para muitos o elaborado trabalho de montagem conduzido por Stone, cujo processo costuma demorar tanto ou mais tempo que os próprios períodos de pré-produção e filmagens combinados: basta recordar a "promiscuidade" de imagens em JFK (1991) ou, mais tarde, a euforia de ASSASSINOS NATOS (1994) e a amplitude e velocidade da mise-en-scène de UM DOMINGO QUALQUER (1999).



Quanto ao que a THE DOORS se refere, o argumento só se torna complexo com uma profunda análise do seu formalismo visual. O registo histórico da constante e notória embriaguez e toxicodependência apresentada em público por Jim Morrison, aliadas ao seu comportamento problemático (apesar de, segundo alguns historiadores, existir alguma liberdade criativa nessa representação), conduz o ritmo frenético do filme, como se este fosse directamente extraído da mente do cantor. Por outras palavras, a direcção de fotografia (a cargo do sempre eficaz Robert Richardson) parece seguir como fio condutor, o estado de espírito do protagonista na sequência a que se refere: quando testemunhamos um momento de calmaria na vida de Morrison, o plano filmado é, manifestamente, caracterizado por um esquema cromático muito simples, quase primário; os momentos de loucura induzida pelo álcool e pela droga (a sequência no deserto, os concertos ao vivo, a festa na Factory de Andy Warhol) são acompanhados dos melhores exemplos de complexidade de câmara alguma vez concebidos.



Outro factor fundamental para a decisão do trabalho visual de THE DOORS é a própria musicalidade da banda. As várias cenas em que os temas são actuados falam por si, isto é, escusam qualquer explicação ou referência de teoria cinematográfica: a formação dos primeiros acordes de Light My Fire, numa sessão de "garagem" durante os primórdios da banda, está infundida da luminosidade e calor solar da praia de São Francisco — sugerindo um arranque auspicioso para o conjunto; a primeira apresentação ao mundo do incontornável The End — uma cena iluminada pelos focos vermelhos e amarelos do clube nocturno, reminescência simbólica do poderoso conteúdo sexual imbuído nas letras da canção; o infame e orgiástico espectáculo ao vivo em Miami, em 1969, alterna o obscuro — premonição do fim do sonho para os THE DOORS — com uma claridade semelhante à das chamas de uma fogueira — apontando para a eterna influência, na mente de Morrison, da cultura índia norte-americana.



Apesar de toda esta profundidade visual, THE DOORS não deixa de possuir outros méritos mais consensuais com a maioria da produção cinematográfica mainstream. Algumas boas interpretações (sobretudo Val Kilmer — cuja similitude física com Morrison chega, por vezes, a arrepiar — e a sua capacidade de emprestar a própria voz aos sucessos do conjunto), a banda sonora recheada do legado dos THE DOORS (apenas desvia-se em dois temas, nomeadamente um excerto da Carmina Burana de Carl Orff e a fugaz presença dos Velvet Underground) e, de forma bastante evidente, uma recriação de época em contornos quase nostálgicos.

Não obstante o teor sombrio que prolifera por grande parte da duração do filme, serve o presente "manifesto de revisionismo" para incitar o cinéfilo, desde o mais novo ao mais velho, a olhar de forma diferente para este THE DOORS. Acima de tudo, sem uma imagética cativante, é impossível construir um filme cativante. E, se me permitirem o acréscimo deste parecer pessoal, não considero ALEXANDRE um flop de dimensões mastodônticas...

4 comentários:

Hugo disse...

Que dizer? excelente texto! :)

brain-mixer disse...

Um filme que me passa completamente ao lado... Nem pareceu um filme de Stone :S

Carlos M. Reis disse...

Ainda não vi este "The Doors", apesar destes terem sido uma das minhas bandas de eleição. Mas depois de ver "Alexandre" e a representação, desculpem o termo, merdosa de Val Kilmer, fiquei sem muita vontade ver novamente esta dupla Stone-Kilmer.

Apesar de na generalidade gostar bantate do trabalho de cada um deles. Talvez daqui a um tempo, quando "O Magno" me sair da cabeça.

Um abraço.

Anónimo disse...

É O MELHOR FILME DE SEMPRE...!!!

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