domingo, abril 16, 2006

A DECADÊNCIA DO FILME DE TERROR

A minha namorada é louca por filmes de terror. Seja numa ida ao cinema ou no aluguer de um DVD do género — sobretudo, títulos recentes —, busca-se as emoções fortes e suores frios que o seu visionamento lhe proporciona. Devido a esta situação, e como os vejo com ela, tenho podido observar que o horror flick está, para grande infelicidade minha, nas ruas da amargura.

Apetecia-me imenso utilizar o vocábulo "cabotinismo" para o que se tem verificado nos últimos anos em matéria de filme de terror. Para suavizar a questão, empregarei "repetição". Repetição de temas, de ambientes e, como cereja no topo do bolo, de mecanismos cinematográficos: sempre a mesma banda sonora sinistra, os mesmos sustos, as mesmas expressões forçadas de pavor, etc. E esta concepção transforma-se em previsibilidade. Não pode haver sentimento pior, num filme de terror, do que a sensação de já sabermos o que vai acontecer.

Para além desta triste acepção, assiste-se à péssima execução de ideias que, na teoria, até foram bem desenvolvidas. Posso referir, como exemplos flagrantes, dois filmes recentes: JEEPERS CREEPERS (2001, Victor Salva) e RUÍDOS DO ALÉM (2005, Geoffrey Sax). Ambos conseguem criar, na primeira hora, uma eficiente ambiência de suspense e tensão muscular no espectador, até se arruinar tudo ao transformarem as histórias em simples contos de "monstros do outro mundo". Aplica-se, então, a lógica de «depois do horror, vem a frustração».



JEEPEERS CREEPERS e RUÍDOS DO ALÉM: exemplos de como boas ideias nem sempre se transformam em boas representações de genuíno terror.

No entanto, não quer isto dizer que o género encontra-se morto ou irremediavelmente perdido. É possível distinguir, num oceano inundado de películas medíocres, algumas "ilhas paradisíacas" de bom cinema de terror. O «J-Horror» demonstrou vivacidade na exploração de medos urbanos [a qual impulsionou, embora levemente, o produto de horror norte-americano, sendo THE RING - O AVISO (2002, Gore Verbinski) o melhor exemplo], e a estreia de alguns títulos que conseguiram reavivar, de forma contemporânea, o modus operandi do terror dos anos 40 e 50: OS OUTROS (2001, Alejandro Aménabar), A VILA (2004, M. Night Shyamalan) e SAW - ENIGMA MORTAL (2004, James Wan), só para nomear alguns.

E, entre os imensos remakes e conceitos mal aproveitados que se vão realizando, pode-se constatar no cinema independente os melhores produtos de terror dos últimos anos. Citarei apenas três títulos: O PROJECTO BLAIR WITCH (1999, Ed Sanchez e Daniel Myrick), 28 DIAS DEPOIS (2002, Danny Boyle) e OPEN WATER - EM ÁGUAS PROFUNDAS (2004, Chris Kentis). A explicação para os sucessos de crítica e de box-office dos filmes supracitados é muito simples. Um orçamento baixo implica, na grande maioria dos casos, o recurso a processos de imaginação acima da média. Não existem orçamentos para complexas figuras monstruosas digitais nem para a aplicação de grotescas maquilhagens nos actores. Deste modo, tudo é mais sugerido que evidenciado. E é esse poder de sugestão que causa o verdadeiro medo no espectador, trazendo à superfície os receios que povoam a mente de quem assiste ao filme.


OPEN WATER - EM ÁGUAS PROFUNDAS: o modelo mais recente em cinema de terror barato e eficiente.

Por tudo isto, presenciamos a decadência do filme de terror. A tecnologia revolucionou a Sétima Arte, disso nem eu tenho dúvidas, mas inovação não se pode traduzir em fraqueza. Em Cinema, o género foi introduzido não para assustar durante hora e meia e, de seguida, todos agirem como se nada tivesse acontecido; bem pelo contrário, o terror cinematográfico surgiu com o intuito de assustar, invocando os medos (in)conscientes de cada indivíduo. Como consequência negativa final, até a minha namorada já começa a partilhar da minha opinião... e a preferir ver um filme romântico em detrimento do terror.

2 comentários:

Carlos M. Reis disse...

Eu nunca fui muito do género de terror, mas a minha namorada sim, tal como a tua.

Felizmente parece que o género está a recomeçar o bom caminho depois de uns 10 anos degradantes. De Blair Witch Project a Saw não me lembro de um bom filme do género. Felizmente agora tem aparecido mais alguns. Mas não concordo nada com a tua opinião de Open Water. Achei-o uma valente trampa.

Cumprimentos.

brain-mixer disse...

Continuo a achar que O Exorcista, um filme com 33 anos (33!!) é o melhor filme de terror de SEMPRE!

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