quarta-feira, abril 12, 2006

MULHER FATAL (2002), de Brian De Palma — o melhor twist final dos últimos anos?



Roger Ebert, na sua apreciação crítica a MULHER FATAL, afirmou: «Este é um filme sobre observar e ser observado, sobre ver e não ter a certeza do que se vê». Para mim, esta é o melhor resumo que se pode aplicar a este título. E aproveitando a deixa, exponho a seguir um extenso rol de pistas que indiciam o “segredo” de MULHER FATAL — o qual é apreendido através das suas imagens e não tanto do diálogo e/ou narrativa.

Como é de prever, este post só será desfrutado na íntegra se o leitor já viu o filme. Diria mesmo que é condição imprescindível. Embora não revelando todos os detalhes do filme, são perscrutados pormenores essenciais que poderão arruinar a experiência de um primeiro visionamento de MULHER FATAL. Os spoilers começam agora…


Antes de mais, é do vosso conhecimento que grande parte da acção do filme descreve um sonho. Sem querer entrar em análise psicanalítica, os sonhos podem ser descritos como um reflexo do nosso quotidiano, do nosso saber consciente e das nossas preocupações. Assim sendo, Laure Ash (Rebecca Romijn) é protagonista num roubo decorrido durante a estreia de um filme no Festival de Cannes, assalto este que implica a traição aos outros dois membros que o planearam. Procurando uma saída rápida de França, Laure dirige-se para um quarto do Hotel Sheraton, anexo ao Aeroporto Charles DeGaulle, de modo a angariar um passaporte falso. Após sobreviver a uma tentativa de homicídio, por um dos traídos, é confundida com uma parisiense que acaba de perder marido e filho num acidente. Quando Laure descobre o equívoco e decide utilizar o passaporte e o bilhete de avião da esposa/mãe desesperada, um banho de imersão é o melhor tónico para retemperar forças — inadvertidamente, a nossa protagonista adormece na banheira… e o sonho inicia.

Embora esta transição não seja imediatamente explícita, as imagens denunciam a situação. Principalmente, a água do aquário da sala, que transborda abundantemente pela sua borda, é reminiscente da banheira inundada na qual Laure adormece.




Quando Laure acorda, no final do filme, o detalhe do aquário certifica-nos de que estamos a presenciar a realidade.



É através deste jogo de imagens que nos vão sendo fornecidos os indícios de que tudo, mas tudo, o que vemos a partir deste momento é apenas um sonho. Vão surgindo, desta forma, vários elementos que aparecem no início do filme (ou seja, no momento em que Laure está acordada) e que se repetem durante o desenrolar dos acontecimentos (aquando do sonho da protagonista). Deste modo, pode-se identificar:

— personagens que "vivem" nos dois mundos, como é o caso da personagem de Peter Coyote, visto pela primeira vez, de forma discreta, no Hotel Sheraton...



...e, mais tarde, com presença fundamental no filme do inconsciente de Laure.



— outro exemplo consiste na visão de um casal que sai do elevador, no Hotel Sheraton...



...e que se transformarão, respectivamente, no chefe da segurança da Embaixada dos EUA em França e na advogada do embaixador americano durante o sonho:




— e o que dizer da aparição, quase imperceptível, de um dos colaboradores no assalto da jóia, ao balcão do bar onde, em sonhos, Nicolas Bardo (Antonio Banderas) compra cigarros?:




Para além das personagens, é possível observar a duplicação de motivos:

— o quarto 214, do Hotel Sheraton, onde Laure é vítima de um atentado...



...o mesmo local onde Bardo embrenha-se no onírismo da femme fatale.



— quando Laure é arremessada do 3º andar, no Sheraton, a sua vida é salva por um amontoado de colchões prateados...




... colchões esses visíveis (ao fundo, passando pelo corredor) durante o diálogo entre Laure e Nicolas.



Muito provavelmente, existem em MULHER FATAL outros pormenores idênticos e reveladores do twist que se desdobra na conclusão. E este género de ilusão é uma constante na filmografia de Brian De Palma, cuja maioria dos filmes exige um segundo visionamento que permita a captura destas pistas. No caso aqui explanado, a reviravolta torna-se mais deliciosa pelo facto de, estando tudo revelado à nossa frente, é possível experienciar um profundo sentimento de surpresa na primeira vez a que o vemos...

2 comentários:

Anónimo disse...

Um dos melhores filmes do De Palma, ainda que não corra tanto risco quanto Dublê de Corpo. Pena que no Brasil Femelle Fatalle tenha saido em tela cheia em DVD; lamentável porque a pantalla briandepalmiana é sempre mais larga que nossa visão limitada. Abs.

brain-mixer disse...

Não li o texto por causa dos spoilers, mas se tem TWIST, então tenho de o ver!!

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