domingo, março 10, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Vou Para Casa, de Manoel de Oliveira




VOU PARA CASA poderia representar o perfeito "canto do cisne" para Manoel de Oliveira (pontificava 93 anos quando este filme estreou) caso ponderasse, alguma vez, colocar um ponto final na sua carreira. Puro engano — e à altura da composição deste texto, podemos continuar a usufruir da regularidade do cineasta. Mas também não restam dúvidas de que este pequeno filme, quase perfeito e irrepreensivelmente interpretado (um imenso Michel Piccoli!), é uma das obras mais pessoais de Oliveira, um conto moral sobre mágoa, envelhecimento e a contínua busca humana por conforto e reconhecimento.

Gilbert Valence (Piccoli), veterano actor de teatro e cinema, é informado de que a sua família inteira, com excepção do neto, faleceu num acidente de viação. O seu luto posterior denota, simultaneamente, resiliência e indecisão, seja na compra de um novo par de sapatos de luxo ou em aceitar um salário atractivo para protagonizar um banal filme de acção. Gradualmente, sobretudo após uma apelativa escolha de carreira que se revelará desastrosa, descobre que o conforto desejado reside naquilo (a sua casa) e naqueles (o neto) que lhe são mais familiares.

No idiossincrático e só aparentemente anacrónico estilo visual de Manoel de Oliveira, VOU PARA CASA é uma das obras maiores do cinema europeu dos anos 2000 por conseguir reunir tantos registos (com humor, tragédia e absurdo em plano de destaque) num formato de produção tão pequeno e simples como este, sem apresentar quaisquer sinais de cabotinismo ou presunção. Passamos da extensa representação do último acto do «Le Roi se meurt» de Eugène Ionesco (e muitas correspondências poderiam ser traçadas entre as duas histórias...) para aquela sequência em que a melhor mesa de um café parisiense é disputada pelos clientes com a mesma naturalidade. Pequenas peças, cada uma cuidadosamente encenada e em prol de uma mensagem maior, que fazem, definitivamente, as marcas de um dos grandes autores da contemporaneidade.

por Samuel Andrade.

Elenco
. Michel Piccoli (Gilbert Valence), Catherine Deneuve (Marguerite), John Malkovich (John Crawford), Antoine Chappey (George), Leonor Baldaque (Sylvia), Leonor Silveira (Marie), Isabel Ruth (a leiteira)


Palmarés
. Festival Internacional de São Paulo: Prémio da Crítica


Sobre Manoel de Oliveira

A carreira do "realizador mais velho do mundo ainda em actividade" é não só marcada pela longevidade mas, acima de tudo, por uma variedade de registos, abordagens e colaboradores que nunca se cingiu apenas a um tema ou origem geográfica. Da sua extensa filmografia, destacam-se ANIKI-BOBÓ (1942), ACTO DA PRIMAVERA (1963), O PASSADO E O PRESENTE (1972), VIAGEM AO PRINCÍPIO DO MUNDO (1997), BELLE TOUJOURS (2006) e O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA (2010).



1 comentário:

Loot disse...

Excelente inclusão. Foi o primeiro filme que vi do Manoel de Oliveira, adorei.

Abraço

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