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domingo, dezembro 30, 2012

2012 no Cinema (2ª parte)

2012: OS MELHORES

Antes de mais, uma certeza: 2012 não foi, na opinião do Keyzer Soze, um bom ano de Cinema.

O "argumentário" a favor de tal acepção poderia começar pelo facto de, dos 11 títulos que compõem o top do ano abaixo disposto, apenas dois possuem 2012 como data de produção. Mas também é inegável que, dos filmes lançados comercialmente no nosso país, assistiu-se a um ano menos conseguido por parte de alguns dos autores norte-americanos (Alexander Payne, Eastwood, Jason Reitman, Spielberg, Wes Anderson, Oliver Stone...) e internacionais (Kaurismäki, Stephen Daldry, Tykwer, Cronenberg, Ridley Scott, Nolan, Dumont, Yimou, Ferrara, Ang Lee, Carax...) mais consagrados da actualidade.

Deste modo, o melhor de 2012 acabou por surgir da mistura entre o alternativo e o apelo público, entre a postura cinematográfica clássica e a irreverência de autores plenos ou em formação do seu estilo, entre a observação do passado da Sétima Arte e a busca pela sua subversão/aproximação ao futuro que não aliena o espectador.

Para debate, refutação e memória futura, segue a habitual selecção do Keyzer Soze dos melhores filmes de 2012:

10º ex-aequo
UMA LISTA A ABATER (Ben Wheatley)



«Sem moralidades políticas nem pendões estéticos claramente reconhecíveis, Ben Wheatley concebe uma obra que tanto pode ser o perfeito midnight movie para Halloweens vindouros como (perigoso?) objecto de análise junto das falanges de apoio ao Movimento Occupy Wall Street.»



É NA TERRA NÃO É NA LUA (Gonçalo Tocha)



«Narrado a duas vozes, inefáveis em partilhar os momentos mais curiosos da sua rodagem, é uma obra singular e de constante descoberta, sem precipitar a revelação das vidas e costumes dos 450 habitantes do Corvo, tão obscuros e distantes quanto a sua localização geográfica.»




O MOINHO E A CRUZ (Lech Majewski)



«Eleva a expressão "quadro vivo" a um hipnotizante nível, e comprova, da forma mais bem sucedida a que pude assistir nos últimos tempos, as magníficas potencialidades do digital em função das intenções de um filme.»




VERGONHA (Steve McQueen)



«Confirma o seu estatuto de proeza cinematográfica do ano transacto não só pelo retrato humanamente sombrio, de um hedonismo camuflado de sex addiction e da alienação social do seu protagonista, como também pela "geometria" dos corpos, rostos e espaços (num registo frio e absolutamente anti-erótico) de Steve McQueen, que não concede, nem por um minuto, conforto ao espectador.»




MARTHA MARCY MAY MARLENE (Sean Durkin)



«Reflexão inteligente, ameaçadora e extremamente pungente sobre as formas como certos cultos alimentam-se de vulnerabilidades psicológicas para inculcar convicções que tanto podem apelar ao nirvana budista como, logo de seguida, degradam a mente e o corpo dos seus seguidores.»




ERA UMA VEZ NA ANATÓLIA (Nuri Bilge Ceylan)



«A câmara de Bilge Ceylan captura a natureza, simultaneamente irreal e mundana, em que o filme se contextualiza e na subtil "explicação" das personagens de ANATOLIA — que, na sua conclusão, substitui o cariz mítico da morte pelas suas consequências físicas e sociais, deixando-nos com a tarefa de definir onde reside a "eternidade" destes indivíduos.»




A INVENÇÃO DE HUGO (Martin Scorsese)



«Eis o tipo de filme que, entre outras sensações, leva-me a abandonar a generalização crítica usual e confessar a minha predilecção por temas como o da preservação e restauro do Cinema clássico. São, para mim, como um perfume delicado ou idêntico ao sentimento que se nutre pela pessoa amada: totalmente irresistíveis.»




AMOR (Michael Haneke)



«Por vezes incomportável, nunca irónico mas pleno de amor do princípio ao fim — porque é uma certeza, o amor, o verdadeiro, dependente e irrestrito amor está espelhado ao longo dos seus 127 minutos de duração. »




TABU (Miguel Gomes)



«Pelos sons e imagens com que Miguel Gomes nos brinda, de forma poética, impressionista e quase etérea, é, narrativamente, um melodrama por excelência e, nas intenções, homenagem singela e original ao género de cinema que nos obriga a considerar os olhares, gestos, trejeitos faciais e enquadramento de cenas sem que uma única palavra seja escutada para daí extrairmos o seu predicado.»




TEMOS DE FALAR SOBRE KEVIN (Lynne Ramsay)



«Obra-prima na desconstrução da linearidade temporal do argumento — a capacidade do espectador apreender a cronologia de vários flashbacks é testada ao limite — e na oscilação, sempre periclitante e arriscada, entre o realismo puro e a fuga para a ilusão.»




PROCUREM ABRIGO (Jeff Nichols)



«Mais do que o retrato da provável degeneração mental de um indivíduo, coloca o protagonista como epíteto da Humanidade contemporânea: amedrontada, paranóica e confusa face às agressivas "manifestações" que a rodeia — e, no horizonte, tudo prenuncia a chegada de inimagináveis tempestades.»



Menções honrosas para (e por ordem de estreia no nosso país):
a viagem no tempo de A GRUTA DOS SONHOS PERDIDOS (Werner Herzog); o estado de uma nação em ATTENBERG (Athina Rachel Tsangari); os jovens com super-poderes de CRÓNICA (Josh Trank); o poder — real ou fabricado — da imagem documental de LINHA VERMELHA (José Filipe Costa); o road movie em direcção ao passado de ESTE É O MEU LUGAR (Paolo Sorrentino); a reinvenção visual de um clássico em MONTE DOS VENDAVAIS (Andrea Arnold); a simplicidade da abordagem autoral aos filmes de acção de HAYWIRE — UMA TRAIÇÃO FATAL (Steven Soderbergh); o fim do mundo em O CAVALO DE TURIM (Béla Tarr e Ágnes Hranitzky); o sagrado e o pagão em CORPO CELESTE (Alice Rohrwacher); a saída para a crise financeira de ELENA (Andrei Zvyagintsev); Jack Black em MORRE... E DEIXA-ME EM PAZ! (Richard Linklater); a "metaficção" do terror em A CASA NA FLORESTA (Drew Goddard); e 007 — OPERAÇÃO SKYFALL (Sam Mendes), o blockbuster do ano.

domingo, janeiro 22, 2012

Críticas da Semana

Breve resumo dos principais filmes visualizados esta semana:

. ONCE UPON A TIME IN ANATOLIA
. KILL LIST
. A TOUPEIRA
. MORRER COMO UM HOMEM

--//--

. ONCE UPON A TIME IN ANATOLIA (2011), de Nuri Bilge Ceylan



Um grupo de polícias, oficiais públicos e militares são conduzidos através do deserto negro turco por um homem acusado de homicídio, em busca do cadáver da vítima. Enquanto a noite decorre, todos terão de confrontar os seus fantasmas pessoais.



Vencedor do Grande Prémio do Júri no último Festival de Cannes, ANATOLIA é um policial impressionista — destaque imediato para a sua fabulosa fotografia nocturna — que nos confronta com uma investigação policial que mais não é do que um "pretexto" (poder-se-à chamar-lhe de red herring?) para a análise dos dramas pessoais de cada interveniente.

Se o existencialismo do argumento e o ritmo vagaroso do filme constituem-se como enormes testes à "paciência" do espectador, a câmara de Bilge Ceylan (interrogativa e abstracta, algo inovador para o realizador de OS TRÊS MACACOS) trata de o capturar através da exibição da natureza, simultaneamente irreal e mundana, em que o filme se contextualiza e na subtil "explicação" das personagens de ANATOLIA — que, na sua conclusão, substitui o cariz mítico da morte pelas suas consequências físicas e sociais, deixando-nos com a tarefa de definir onde reside a "eternidade" destes indivíduos. Obrigatório, sendo quase um escândalo não estar pré-seleccionado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.

. KILL LIST (2011), de Ben Wheatley



Um ano depois de uma missão falhada em Kiev, um assassino profissional (Neil Maskell) aceita uma oferta monetária generosa para assassinar três alvos. Mas o que, a princípio, se afigura como tarefa fácil, cedo resvala numa viagem pelo lado mais negro da Humanidade.



Bem-vindos ao neo-noir de horror britânico, onde a crítica às "enfermidades" das sociedades contemporâneas é personificada por dois assassinos profissionais com passado obscuro, encarregues de abaterem alvos simplesmente identificados como Padre, Bibliotecário e Membro do Parlamento — indubitavelmente, três metáforas aos principais poderes institucionais — e que enfrentam, no visceral terceiro acto, forças reminiscentes de THE WICKER MAN (1973, Robin Hardy).

Como é simples de depreender, não estamos perante um filme de terror no sentido convencional do termo: a estrutura narrativa elíptica, a sua aparente incoerência e um argumento que, teimosamente, não providencia respostas, fazem com que o irascível e surpreendente clímax de KILL LIST potencie a sua "candidatura" a filme de culto. Sem moralidades políticas nem pendões estéticos claramente reconhecíveis, Ben Wheatley concebe uma obra que tanto pode ser o perfeito midnight movie para Halloweens vindouros como (perigoso?) objecto de análise junto das falanges de apoio ao Movimento Occupy Wall Street. E, como diria um colega meu da blogosfera, é brain-movie por excelência.

. A TOUPEIRA (2011), de Tomas Alfredson



Durante a Guerra Fria, o agente secreto George Smiley (Gary Oldman) é obrigado a sair da reforma para investigar a possibilidade de haver um agente soviético — ou uma "toupeira" — infiltrado no topo da hierarquia dos serviços secretos britânicos.



Baseado no romance de John le Carré, A TOUPEIRA poderá distanciar o espectador pouco interessado/familiarizado em "intrigas internacionais" da Guerra Fria, mas conquista-o através da irrepreensível atmosfera de medo, paranóia e traição aqui formada. E no seio da sua fotografia dominada por um constante sépia invernal, pelas acções vislumbradas através de superfícies vidradas e por interiores impregnados de fumo, destaca-se Gary Oldman — motivo suficiente para atribuir ao filme as quatro estrelas — que constrói um minimalista e assombroso Smiley, cujos silêncios revelam-se tão significativos quanto as suas palavras.

As adaptações ao grande ecrã de romances de espionagem nunca foram fáceis nem livres de defeitos — por exemplo, sou um dos que prefere O ESPIÃO QUE VEIO DO FRIO (1965, Martin Ritt) ou CAÇA AO OUTUBRO VERMELHO (1990, John McTierman) enquanto objectos exclusivamente cinematográficos —, e A TOUPEIRA não alterará esse paradigma. Contudo, pela direcção firme de Alfredson, a mestria de Carré não só é revitalizada como apresentada a toda uma nova audiência. Recomendado.

. MORRER COMO UM HOMEM (2009), de João Pedro Rodrigues



Tonia (Fernando Santos), uma veterana do espectáculo de travesti lisboeta, vê desabar o mundo à sua volta: o seu estrelato é ameaçado pela concorrência das artistas mais novas, submete-se a uma operação de mudança de sexo por pressão do seu jovem namorado, e o o filho que ela tinha abandonado em criança, agora um soldado desertor, vem à sua procura.



A ambiguidade sexual e o surrealismo do quotidiano sempre fizeram parte da obra de João Pedro Rodrigues, algo plenamente vísivel em O FANTASMA (2000) e ODETE (2005). Esses elementos estão, aqui, bem presentes, mas acompanhados de um pretensiosismo a abismar o banal que desconhecíamos no cineasta.

O percurso de Tonia (fabuloso Fernando Santos, numa multifacetada e exaustiva interpretação) talvez merecesse uma abordagem que não investisse tanto em sequências psicadélicas ao som de Baby Dee ou em insondáveis citações de Paul Celan, e que capitalizasse mais nas motivações e envolvimentos dramáticos do protagonista. Algo que a última meia hora de filme almeja conceber, não deixando dúvidas que MORRER COMO UM HOMEM teria funcionado substancialmente melhor como drama humano puro. Mesmo que arriscasse atingir níveis consideráveis de cinema depressivo, não nos importaríamos de ver esse hipotético resultado final mais satisfatório.

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