sábado, novembro 19, 2005

SENHOR DA GUERRA (2005), de Andrew Niccol



Se todos os críticos e público americanos fossem justos e conseguissem fechar os olhos às implicações políticas do filme, este venceria tudo, desde prémios da crítica até aos Óscares. Não por causa das implicações políticas, mas sim porque realmente merece enquanto peça de cinema. Que melhor forma de resumir um filme do que com esta introdução?

Acompanhamos a ascensão e queda de Yuri Orlov (Nicolas Cage), um ucraniano erradicado em Brooklyn, desde o momento em que, acidentalmente, se infiltra no submundo dos gangs de rua, passando pelos negócios de milhões efectuados com a venda clandestina de armas a regimes ditatoriais e sedentos de sangue, culminando com a constatação pessoal de que a sua profissão não pactua com valores familiares ou éticos.



Na verdade, durante o visionamento deste SENHOR DA GUERRA, é possível criar um paralelismo com outra obra: SCARFACE - A FACE DO PODER (1983, Brian de Palma). Enquanto que, neste exemplo, lidávamos com as vicissitudes do mundo do tráfico de droga, aqui a venda de espingardas, lança-foguetes, granadas e veículos bélicos serve de "gatilho" para uma espiral de reflexões sobre as causas e efeitos da condução e comercialização cegas de material de guerra para as zonas mais paupérrimas do mundo, onde a morte e a corrupção espreitam em cada esquina, o seu impacto no delinear de governos e fronteiras e o aproveitamento que as potências mundiais fazem desta realidade. Curioso como ambos os filmes surgem em períodos "quentes" da política americana: em 1983, a troca de armas por reféns ao Irão pela administração Reagan; em 2005, a guerra do Iraque...

Apesar do poder quase confrangedor que a abordagem a este tema provoca no espectador, provavelmente o maior feito de SENHOR DA GUERRA é, sem dúvida, o seu protagonista. Embora seja apresentado como o detentor da ocupação mais atroz do mundo, somos capazes de sentir simpatia por Orlov. Rimo-nos pela forma ambígua como enriquece — o fim da Guerra Fria e subsequente desvalorização do preço das armas é celebrada efusivamente, ofuscando a alegria doméstica dos primeiros passos do seu filho bebé —, orgulhamo-nos da sua capacidade de flanquear as investidas da Interpol e quase choramos com a sua falência individual, enquanto irmão, filho, marido e pai. Falo, evidentemente, de mais uma brilhante e complexa interpretação de Nicolas Cage, sem dúvida o único actor da actualidade com talento para conceber personagens ao mesmo tempo empáticas e repulsivas — basta recordar MORRER EM LAS VEGAS (1995, Mike Figgis)...



A nível técnico, há que realçar o trabalho em prol do simbolismo do filme por parte dos directores de fotografia (Amir M. Mokri, excelente na recriação de épocas e locais) e de montagem (Zach Staenberg, que aplica o dinamismo necessário à história), os quais apresentam, eficientemente, os conflitos bélicos e interiores das personagens.

Apesar da agenda política do filme, cujo texto conclusivo não esconde esta intenção, ao afirmar que «os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU são também os principais exportadores mundiais de armas», é imperativo reter o facto de que estamos perante um filme de entretenimento puro, embora a sua vertente "cerebral" não o demonstre imediatamente.

A não perder, seja pela busca de diversão, seja pela reflexão que o final de SENHOR DA GUERRA permite ao espectador.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais um para ver assim que possível.

Cumps.

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