domingo, março 05, 2006

MUNIQUE (2005), de Steven Spielberg



Quando Steven Spielberg anunciou, nos princípios dos anos 90, que a sua carreira iria ganhar um novo rumo, onde predominariam os filmes de conteúdo mais rigoroso e adulto, devo confidenciar que tremi um pouco, tal como muitos cinéfilos ávidos da fantasia que o realizador expressava, até aquele momento, nas obras da sua autoria. A LISTA DE SCHINDLER (1993) e O RESGATE DO SOLDADO RYAN (1998), melhor do que nenhuns outros, provaram termos cineasta para o serviço a que se propunha. MUNIQUE, sem dúvida um dos melhores filmes estreados no ano transacto, não foge a esta linhagem e, muito provavelmente, acrescenta algo de novo à filmografia do norte-americano.

Inspirado na verdadeira história dos agentes israelitas incumbidos de vingar o massacre da comitiva judaica durante os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, perseguindo e matando os cérebros por detrás do ataque (na sua maioria, fedayeens palestinos), o filme centra-se, principalmente, no conceito — tão debatido em tempos recentes — de haver disposição para arriscar a vida pelo ideal de uma nação. A lista dos responsáveis é constituída por 11 nomes, 11 indivíduos que, de forma proeminente, planearam um movimento terrorista com profundas repercussões nos mundos árabe e ocidental ("Judeus mortos na Alemanha...", lamenta, a certa altura, uma Golda Meir destroçada) e rapidamente se esconderam nos recônditos da Europa e norte de África. Com um orçamento ilimitado, ajudados por uma fonte que se identifica como "independente e colaborador de qualquer governo, sem preferências", os cinco agentes, liderados por um Avner, ex-efectivo da Mossad (Eric Bana), conseguem abater os perpetradores sem problemas de maior — até ao momento em que as emoções pessoais começam a influenciar a eficácia daquela que foi apelidada de «Operação Ira de Deus».



É no aspecto político que MUNIQUE introduz a tal nova faceta, por mim referida no primeiro parágrafo, na carreira de Spielberg. Embora não seja visível um intenso cariz anti-terrorista, este filme consegue ser um ponto de referência para a discussão das razões que movem alguém em encetar uma campanha assassina contra um inimigo de etnia e ideologia díspares. Seja pelo amor à pátria, pela defesa do dogma político mais radical, pela preservação de uma raça ou, simplesmente, pelo prazer de matar (aliás, o filme alcança um evidente distanciamento desses motivos), permanece latente a ideia de que este género de acções, por mais "justificável" que seja a sua origem, imprime um efeito negativo naqueles que participam activamente, naqueles que sucumbem e no resto do mundo que assiste, impassivelmente, a estes processos. Em suma, a violência é demonstrada como irracional e imprevisível, e MUNIQUE, por esse facto, não permite grande simpatia pelas personagens.

No entanto, há que referir o brilhantismo técnico da película. Começando pela fotografia do sempre eficaz Janusz Kaminski (a realçar a saturação da imagem reminescente do tipo de filme usado nos anos 70), ao excelente uso de montagem paralela por Michael Kahn e a banda sonora de John Williams continua a alcançar o raro feito de "ver o filme através da música" — todos eles nomeados para os Óscares. Embora seja óbvia a introdução fictícia dos conflitos interiores dos protagonistas, segundo alguns historiadores que visionaram o filme, a representação do sequestro de 1972 está historicamente exacta.

Uma última palavra para a controvérsia que tem rodeado MUNIQUE. Os termos de "anti-semita", "pura ficção", "favorecimento político" e "acusação de terrorismo" (este último derivado do último plano do filme, onde a visão do World Trade Center tem sido interpretado como uma referência ao 11 de Setembro) foram assaz empregues. Cada um corresponde, provavelmente, à agenda pessoal de quem o escreveu. Eu defendo, pelo contrário, que estes adjectivos nunca poderão ser ligados a este filme pelo simples facto de existir o mencionado distanciamento político. Mas Spielberg nunca deixa de emprestar a sua imagem de marca no que respeita a emoções: Avner é um homem que nunca encontrará paz, apesar do sentimento de missão cumprida...



1 comentário:

Anónimo disse...

Um excelente filme! Marca o regresso de Spielberg aos bons filmes, depois do menos bom "War Of The Worlds".

Cumps.

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