terça-feira, novembro 14, 2006

HARD CANDY (2006), de David Slade



Será a perversidade um elemento apenas atribuível aos adultos? Podia ser este um interessante ponto de partida para a análise de HARD CANDY, filme-sensação do circuito independente norte-americano do ano transacto (merecedor de destaque no incontornável Festival de Sundance).

Hayley Stark (uma surpreendente Ellen Page, a Kitty Pryde em X-MEN: THE LAST STAND), apesar dos seus escassos 14 anos, demonstra capacidades acima da média da sua faixa etária. Todavia, não dispensa as longas horas passadas em chat rooms. É num destes espaços de conversação virtual que Hayley conhece e enceta amizade com Jeff Kohlver (Patrick Wilson), fotógrafo de moda reconhecido no seu meio. A transição do teclado para o primeiro encontro pessoal sucede num ápice, prevendo-se um relacionamento sincero de ambas as partes, perfeitamente normal, apesar do fosso de idades dos intervenientes. Ou talvez não. Decidida em desmascarar Jeff como pedófilo e predador cibernauta de adolescentes desprevenidas, HARD CANDY torna-nos testemunhas do melhor jogo do gato e do rato cinematográfico deste início de século, totalmente acompanhado por um espelho de aparências que não tardará em estilhaçar...



A premissa é imediatamente denunciada — no mínimo, para os mais informados — pelo título. A expressão hard candy, em calão de Internet, designa "rapariga menor" (1). No básico, o conceito de "Lolita". Contudo, Hayley é tudo menos submissa. A tortura que ela aplica a Jeff, na sua busca pela verdade e justiça, faria corar os colaboradores mais aplicados de Jack Bauer. E não tenhamos dúvidas que essa dor infligida é custosa de ver por duas razões: pelo seu modus operandi e por não ser possível alhearmo-nos do facto de o "torturador" ser uma rapariga de 14 anos. Cada um aguenta até onde pode; se for até ao último frame do filme, os meus parabéns.

HARD CANDY insere-se no ramo do «filme-extremo», muito em voga nos últimos cinco anos. Títulos como IRREVERSÍVEL (2002, Gaspar Noé) ou HOSTEL (2006, Eli Roth) poderão habilitar o espectador para a visão do sofrimento humano, físico e psicológico em cinema. HARD CANDY destaca-se pela introdução de novos elementos a esta química, nomeadamente as posições sociais das personagens e inversão dos papéis malfeitor-vítima.

Estabelecido o argumento — quase capaz de se desenvolver sozinho —, dá-se lugar às preocupações estéticas do filme: trabalho de câmara irrequieto, uso alargado de jump cuts e slow motion, o espaço físico enquanto reflexo das personagens, tudo características de um realizador com larga experiência no campo dos videolips. E estas decisões criativas aplicam-se, que nem uma luva, à experiência de ver HARD CANDY.

Um filme para poucos gostos? Sim, muito provavelmente. Contudo, e quando vivemos numa época de cabotinice cinematográfica, é sempre refrescante cruzarmo-nos com uma história nova.



3 comentários:

Anónimo disse...

Lembrei, a partir de sua primeira questão, de um verso de uma poetiza angolana: "A Infância é a estação da maldade". Mas, ao ler todo o texto, vi que se trata de outro ponto de vista e geração.

C. disse...

Não me perdoo por ainda não ter visto...

Os Filmes de Frederico Daniel disse...

"Hard Candy": 4*

"Hard Candy" tem uma história bastante boa e um argumento muitíssimo bem escrito, portanto recomendo que vejam este filme algo perturbador.

Cumprimentos, Frederico Daniel.

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