sexta-feira, novembro 30, 2007

Rápidos e Mortais (2003), de Robert Harmon



Robert Harmon dirigiu aquele que considero ser um dos filmes mais inquietantes da década de 80 e que, de forma incompreensível, nunca viu o seu mérito reconhecido globalmente. Falo-vos de TERROR NA AUTO-ESTRADA (THE HITCHER, 1986), com Rutger Hauer, C. Thomas Howell e uma bastante jovem Jennifer Jason Leigh.

Vi-o, pela primeira vez, em meados dos anos 90, numa emissão nocturna da RTP1 (ainda o possuo gravado em VHS) e ficou "cá dentro" marcado devido à inusitada secura e ritmo pausado do filme enquanto espécime de road movie, ao mesmo tempo que servia de perverso conto moral acerca da famosa recomendação de nunca dar boleia a estranhos. Infelizmente, TERROR NA AUTO-ESTRADA conheceu, há bem pouco tempo atrás, um remake totalmente descartável...



De qualquer forma, Robert Harmon andou, desde então, "perdido" na realização de vários projectos para televisão — ainda esteve à frente das operações de alguns episódios da excelente série BRIGADA DE HOMÍCIDIOS — mas nunca voltou a demonstrar, no grande ecrã, o virtuosismo de TERROR NA AUTO-ESTRADA... até 2003, com este RÁPIDOS E MORTAIS.

Mais uma vez, estão aqui presentes quase todos os ingredientes que possibilitaram a originalidade de TERROR NA AUTO-ESTRADA: a frieza narrativa que se estende aos sentimentos das personagens e a longos períodos de acção sem uma linha de diálogo; o ambiente da auto-estrada, rodeada pelo deserto norte-americano, como foco principal da sua cinematografia; um vilão psicopático, sem fundamentação para espalhar caos e terror... Para quem conhece o filme de 1986, a lista de comparações é interminável.

E, no entanto, a história não poderia ser mais simples: Rennie Cray (Jim Caviezel) persegue, há vários anos, o autor do atropelamento mortal da sua mulher — acto perpetrado por James Fargo (Colm Feore), assassino que elegeu este modus operandi como passatempo. Desta vez, a vítima escolhida é Molly (Rhona Mitra), a qual alia-se a Rennie para deter este condutor meticuloso e insensível.



Para além das óbvias comparações a TERROR NA AUTO-ESTRADA, este RÁPIDOS E MORTAIS evoca, a espaços, outro filme de contornos similares: o poderoso CRASH (1996), de David Cronenberg. O principal ponto de analogia encontra-se na demonstração de automóveis como veículo (passe a redundância) para explorar a tortuosa relação entre Homem e Máquina. Dominados como se fossem marionetas, numa decisão estética reminescente do simbólico conceito do "automóvel enquanto extensão do indíviduo", servem para obter prazer (neste caso, de natureza assassina e não sexual) e são causadores de deformação e mutação físicas que, em última instância, permitem mais poder do que limitação: duas ideias sobejamente referidas em CRASH.

Uma autêntica supresa merecedora da espreitadela, não obstante o facto de ter sofrido uma distribuição ténue a nível interno e de, em Portugal, encontrar-se perdido nessa máquina aglutinadora que é o mercado do DVD. Basta atentar ao terrível exercício de tradução do título...

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