terça-feira, dezembro 01, 2009
TETRO (2009), de Francis Ford Coppola
Coppola afirmou, no último Festival de Cannes, que este é o filme mais pessoal da sua carreira. Observando TETRO por esse prisma, é tentador depreender que grande parte da sua filmografia possui cunho autobiográfico. Ódios paternos e fraternos, passados traumáticos, segredos, mentiras e rivalidades familiares, todos estes motes já figuravam, sobremaneira, na trilogia O PADRINHO (1972, 1974, 1990) ou em JUVENTUDE INQUIETA (1983), apenas para citar títulos em que o realizador mais destacou as "relações de sangue".
A principal diferença reside na (desejada) ausência de imperativos comerciais dos grandes estúdios norte-americanos — um dilema que sempre pareceu assombrar o cineasta —, o que eleva TETRO a uma das obras mais emocionalmente intensas do ano e reveladora de que Coppola, firmando um percurso com mais de 30 anos, uma última "década errante" e o saldo menos positivo de UMA SEGUNDA JUVENTUDE (2007), está de volta à sua melhor forma e ainda vai a tempo de fazer o género de filmes que sempre desejou produzir.
A história não é inteiramente original, mas cativa pela sua índole mesclada de sobriedade e realismo mágico, quase invocadora do estilo literário predominante em autores sul-americanos. Talvez por isso, não será de admirar que TETRO decorra em Buenos Aires, onde Bennie (interpretado pelo estreante Alden Ehrenreich, que lembra, a espaços, um jovem Leonardo DiCaprio) acidentalmente retoma contacto com o irmão mais velho, Angelo (Vincent Gallo). Ambos são filhos de Carlo Tetrocini (Klaus Maria Brandauer), um famoso maestro, mas de mães diferentes.
Descobrimos que Angelo (auto-rebaptizado como Tetro) foi, em tempos, um prometedor romancista cujo sucesso estancou por um período de insanidade e pelas constantes recordações do relacionamento amargo que nutriu com o pai. Resistente ao establishment, aqui encarnado por uma promotora cultural chamada Alone (Carmen Maura, em semblante "tenebroso"), decidiu refugiar-se num bairro degradado de Buenos Aires, onde se apaixonou por Miranda (Maribel Verdú) e refugiou-se junto de um peculiar grupo de secundários. O reencontro entre os dois irmãos vai suscitar no Tetrocini mais jovem o desejo de clarificar não só o seu passado, como também o de Angelo, num confronto de resultados emocionais surpreendentes.
Quando termina, permanece a ideia de que o filme assume, como principal intenção, a dissecação do significado de «regresso às origens». Não só o retorno ao passado íntimo dos protagonistas, como também ao da própria Sétima Arte através do formalismo de Coppola, que filma TETRO a preto e branco — não foi nesta "paleta" que o Cinema se apresentou ao Mundo? —, reservando a cor para uma esporádica série de flashbacks, relativos ao argumento, aparentemente registados em película de 16mm. Um conceito de génio, permitam-me a afirmação, visto serem dois formatos em completo desuso mas marcantes na história da cinematografia.
Impossível, também, não destacar a escolha de Vincent Gallo para encarnar o protagonista homónimo do título. Tanto aqui como em trabalhos anteriores do actor italo-americano [veja-se O FUNERAL (1996), de Abel Ferrara, ou o seu próprio BUFFALO '66 (1998)], é raro encontrar um performer, nos dias que correm, que consiga demonstrar simpatia sincera e raiva latente em cada sequência — o último grande "perito" nesse talento foi, na minha opinião, Marlon Brando. A sua presença, em TETRO, é constantemente dominada por esta dualidade e vale, para além de tudo o acima descrito, o preço do ingresso.
No meu top 10 de 2009, sem reservas.
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2 comentários:
mortinha p'ra ver por 4 razões: buenos aires, francis ford, vincent gallo e a tua crítica, claro :))
Sem sombra de dúvidas um dos melhores regressos do ano.
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