sexta-feira, abril 12, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Relatório Minoritário, de Steven Spielberg




O futuro de RELATÓRIO MINORITÁRIO revela-nos um quotidiano onde o crime é sancionado antes do mesmo ocorrer, sistemas computorizados trazem a ordem ao trânsito automóvel em hora de ponta, a publicidade urbana saúda o consumidor pelo seu nome próprio, as substâncias estupefacientes são assépticas e indolores, e a privacidade é limitada por leitores de retina e sensores térmicos em nome da segurança pública. Mas as irresoluções deste "admirável mundo novo" são captadas por Steven Spielberg com frieza e saturação cromáticas, evidenciando os erros da Humanidade que latejam à superfície de um "verniz" tecnológico prestes a estalar.

Esta visão distópica de um futuro muito provável — o design de produção do filme, cuja acção está situada no ano 2054, foi forjado a partir dos pareceres de diversos cientistas e autores, convocados por Spielberg para opinarem sobre como será o mundo dentro de quatro décadas — transcende a mera história da perseguição movida a John Anderton, o líder da unidade policial PreCrime (capaz de apreender homicidas baseando-se nas visões de três videntes denominados PreCogs), após tornar-se no fugitivo número um do sistema que, activamente, defendeu durante anos. RELATÓRIO MINORITÁRIO é, na verdade, rico em múltiplas leituras éticas, humanas e cinéfilas como poucos títulos de ficção-científica estreados durante os anos 2000.

Citando, temática e visualmente, outras famosas distopias cinematográficas — A LARANJA MECÂNICA (1971, Stanley Kubrick) e BLADE RUNNER - PERIGO IMINENTE ganham óbvio destaque —, o filme desenvolve uma complexa narrativa em torno das virtudes do livre arbítrio (se a detenção é estabelecida antes do crime ocorrer, poderia o homicida hesitar em levar o acto até ao fim?) e dos defeitos de qualquer forma de controlo social totalitário (cedo sabemos que os PreCogs, por vezes, discordam nas suas visões da efectiva probabilidade de materialização de um homicídio — "emitindo", assim, um relatório minoritário). Mas, acima de tudo, analisa o nosso próprio presente, pródigo em tumulto social e austeridade financeira que semeia a suspeita e a insegurança em relação ao futuro.

No fim, o sistema do PreCrime não conhece desfecho risonho e o twist final do filme revela a futilidade de uma tecnologia baseada em equívocos humanos, relembrando como é fácil usar e abusar de algo que, aparentemente, existe em prol do bem geral. O profundo sofrimento humano do protagonista de RELATÓRIO MINORITÁRIO, no seio de um universo dependente da mais funcional e perfeita tecnologia (os efeitos visuais do filme são impecáveis), despoleta as sequelas de uma consciência (colectiva?) moral e espiritualmente imatura para a concretização de um genuíno "admirável mundo novo". O qual pode ser, afinal, só uma ilusão — e onde nem a possibilidade de a tecnologia conceber algo como "telepatia prática" se mostra animadora.

por Samuel Andrade.

Elenco
. Tom Cruise (John Anderton), Max von Sydow (Director Lamar Burgess), Colin Farrell (Danny Witwer), Samantha Morton (Agatha Lively), Steve Harris (Jad), Neal McDonough (Gordon Fletcher), Lois Smith (Dra. Iris Hineman), Peter Stormare (Eddie Solomon)


Palmarés
. Academia de Cinema de Ficção-Científica, Fantasia e Terror: Melhor Filme — Ficção Científica, Melhor Realizador (Steven Spielberg), Melhor Actriz Secundária (Samantha Morton), Melhor Argumento (Scott Frank, Jon Cohen)


Sobre Steven Spielberg

Reunindo a manipulação emocional digna de Chaplin, o virtuosismo estético de Kubrick, o charme clássico de Ford e a apetência para o sucesso comercial e crítico de Hitchcock, Spielberg afirmou-se como o cineasta vivo mais popular da actualidade. Aclamado em todo o mundo — Cannes aguarda-o como Presidente do Júri na sua próxima edição —, O TUBARÃO (1975), OS SALTEADORES DA ARCA PERDIDA (1981), E.T. - O EXTRA-TERRESTRE (1982), A LISTA DE SCHINDLER (1993) e O RESGATE DO SOLDADO RYAN (1998) são títulos obrigatórios não só da sua carreira, mas da Sétima Arte dos últimos 40 anos.



2 comentários:

Jorge Teixeira disse...

Bela crítica. Minority Report é, injustamente e em diversas ocasiões, esquecido por muitos, especialmente no que se refere à filmografia de Spielberg e nos anos 2000. Destaque, portanto, mais que merecido.

Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo

Sam disse...

Jorge, obrigado pelas palavras.

Sim, este é um filme que gosto de revisitar frequentemente — e a cada visualização, encontro sempre novos ângulos, pormenores e motivos de análise.

Cumps cinéfilos.

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