sábado, junho 01, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Adeus, Dragon Inn, de Tsai Ming-Liang




Ver um filme numa sala de cinema que não seja num centro comercial ou num multiplex é uma raridade nos dias que correm. Salas que outrora foram referências para vários cinéfilos fecharam, foram vendidas ou estão simplesmente votadas ao abandono. ADEUS, DRAGON INN acompanha a última sessão de uma sala de cinema de Taipé, que está longe de ser faustosa, mas contém no seu interior um conjunto de espectadores fiéis, embora poucos, que assistem a um filme chamado "Dragon Inn". Praticamente sem diálogos, com a luz muitas das vezes reduzida ao mínimo e um ritmo pertinentemente lento, ADEUS, DRAGON INN revela-se uma experiência e tanto, com o realizador Tsai Ming-Liang a brindar o espectador com um conjunto poético de imagens em movimento.

Numa sociedade contemporânea onde o consumo de produtos rápidos parece ser a regra e não a excepção, em que quotidianamente passamos os dias a correr de um lado para o outro a lutar contra o tempo, é sempre um prazer encontrar uma obra magnificamente elaborada, que pede que nos sentemos durante uma hora e vinte e apreciarmos calmamente o seu conteúdo. Recheado de planos longos e estáticos, belíssimas imagens em movimento que procuram capturar a essência de uma sala de cinema e o espaço que a envolve durante uma sessão, ADEUS, DRAGON INN surpreende pela maneira como nos dá tanto com aparentemente tão pouco, onde as imagens e os sons escondem pequenos significados por revelar.

Mais preocupado com as subtilezas, com a porta aberta que ilumina momentaneamente uma sala, com as idiossincrasias do público que está a ver o filme (a espectadora a comer, o espectador que se levanta a meio do filme, o cinéfilo concentrado no que está a acontecer no grande ecrã), com a chuva que cai no exterior da sala de cinema, do que em apresentar uma história intrincada ou desenvolver personagens, Tsai Ming-liang não se limita a criar um filme, mas sim uma experiência gratificante para o espectador. Esta experiência exige alguma paciência, pede-nos que captemos as subtilezas e os pequenos pormenores, envolvendo-nos durante uma estranha projecção de um filme, onde muito acontece. Na sala, o filme é exibido, o público é pouco e os seus elementos são bem distintos. Uns levantam-se a meio, outros conversam fora da sala (veja-se o japonês homossexual que conversa na casa de banho) e regressam para ver o filme, um espectador vê o filme atentamente, outra come de forma sonora. Fora da sala, a senhora da bilheteira (Shiang-chyi Chen) deambula pelo cinema, pela sala de projecção, sempre a coxear, enquanto espera pela última sessão daquele espaço e por finalmente encontrar o projeccionista. No ecrã, o filme está a ser exibido, é a última vez que este espaço quase sagrado conta com uma exibição de uma obra cinematográfica, uma obra da qual podemos ver pequenos pedaços, enquanto fora do ecrã decorrem outras histórias, com o cinema e a vida a fundirem-se numa obra simplesmente gratificante.

ADEUS, DRAGON INN surge como uma homenagem ao cinema e às suas salas, aqueles lugares que hoje parecem assombrados pelas cadeiras vazias, mas que outrora tantos sonhos despertaram. Tsai Ming-Liang homenageia estas salas que cada vez mais parecem memórias do passado, locais cheios de vida, onde não é apenas exibido um filme, mas sim uma experiência, onde se vende experiências ao invés de pipocas. Esta sala surge quase fantasmagórica, povoada por personagens meio bizarros, figuras estranhas que nunca chegamos verdadeiramente a conhecer (a alienação e solidão da população urbana não são uma novidade na obra de Tsai Ming-Liang), enquanto a narrativa pede que os acompanhemos a ver o filme e a recordar alguns momentos que já tivemos nas salas de cinema. A certa altura de ADEUS, DRAGON INN, é possível encontrarmos um espectador a chorar, no interior desta sala fantasmagórica, recheada de espaços por preencher. O cinema é isto. Emociona-nos, mexe com os nossos sentimentos, apaixona-nos, irrita-nos, faz-nos desesperar, faz-nos amar e acima de tudo faz-nos sonhar.

por Aníbal Santiago (Rick's Cinema).

Elenco
. Lee Kang-sheng (O projeccionista), Chen Shiang-chyi (A senhora da bilheteira), Mitamura Kiyonobu (O turista japonês), Chun Shih (O próprio), Miao Tien (O próprio), Chen Chao-jung (O próprio), Yang Kuei-Mei (Mulher que come amendoins)


Palmarés
. Festival de Veneza: Prémio FIPRESCI (Tsai Ming-Liang)
. Festival de Chicago: Melhor Filme (Tsai Ming-Liang)


Sobre Tsai Ming-Liang

Um dos principais nomes da Segunda Nova Vaga do Cinema de Taiwan, os seus filmes, ancorados num estilo austero composto por planos-sequência, ausência de grandes planos e parcos diálogos, propõem uma observação tanto realista como poética da realidade e da nossa contemporaneidade. Da sua filmografia, destacam-se VIVE L'AMOUR (1994), DONG (1998), O SABOR DA MELANCIA (2005) e I DON'T WANT TO SLEEP ALONE (2006).



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