terça-feira, julho 09, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Homem em Fúria, de Tony Scott




A validade do conceito de abordagem autoral, no âmbito do filme de acção, está longe de ser consensual e de encontrar uma definição aproximadamente derradeira. Mas para essa hipotética análise, HOMEM EM FÚRIA constitui título de consulta obrigatória — um filme quase dividido em três arcos narrativo-temáticos (arrependimento, vingança e redenção) unificados pelo estilo corrosivo, frenético, saturado e impulsivo empregue pelo malogrado Tony Scott, que "arrasa" o poder cristalino da imagem em prol da imediata identificação das apetências formais muito singulares do seu realizador.

A figura torturada de Creasy (Denzel Washington, naquele registo que lhe é muito próprio mas sem nunca estar na vertigem do cliché) rege os preceitos de HOMEM EM FÚRIA. O seu passado duvidoso enquanto agente dos serviços secretos norte-americanos transformou-o num indivíduo embriagado, instável e de de sonhos agitados, estado que só parece encontrar serenidade quando é contratado como segurança privado da frágil Pita Ramos (num desempenho assertivo pela jovem Dakota Fanning). Pouco tempo depois de iniciar funções e formar uma improvável amizade com a menina, Pita é sequestrada e anunciada como morta às mãos de uma rede especializada em rapto e resgate. Tal desenvolvimento impele Creasy a encetar uma autêntica cruzada vingativa, pautada por aquele discurso em que ele promete matar «todos os que estiveram envolvidos, todos os que lucraram com isto, qualquer um que se atreva a olhar-me da forma errada».

Partindo deste enlace de obra de pura e simples retaliação, HOMEM EM FÚRIA apresenta mais originalidade na sua composição visual do que na narrativa (inspirada, ressalve-se, num romance previamente adaptado ao Cinema em 1987). Expondo todo o flair técnico de Tony Scott — a quem foi, só após a sua morte, atribuído o estatuto de "pintor de acção" —, eis um filme que não hesita em enveredar pelo experimentalismo no seio de um dos géneros menos propensos a tal, formulando uma imagética radical, obtida através da manipulação na própria mecânica da câmara de filmar, que se associa irremediavelmente às memórias e sentimentos, em torno das suas personagens e emoções, gerados pelo espectador logo a seguir à sua visualização.

HOMEM EM FÚRIA é, portanto, acção em inflamado e visceral estado de experiência sensorial, num percurso estético que o realizador haveria de perpetuar em obras posteriores — com DOMINO (2005), DÉJÀ VU (2006) e a curta publicitária BEAT THE DEVIL (2002) em plano de destaque — que as avaliações pública e crítica do Cinema dos Anos 2000 teimaram em não louvar.

por Samuel Andrade.

Elenco
. Denzel Washington (John W. Creasy), Dakota Fanning (Lupita 'Pita' Martin Ramos, Marc Anthony (Samuel Ramos), Radha Mitchell (Lisa Martin Ramos), Christopher Walken (Paul Rayburn), Giancarlo Giannini (Miguel Manzano), Rachel Ticotin (Mariana Garcia Guerrero), Mickey Rourke (Jordan Kalfus)


Sobre Tony Scott

Tal como o seu irmão, Ridley Scott, Tony evidenciou-se pelos seus filmes de acção onde a composição visual é motivo de instantânea atracção e notoriedade. Da sua filmografia, salientam-se FOME DE VIVER (1983), TOP GUN — ASES INDOMÁVEIS (1986), DIAS DE TEMPESTADE (1990), AMOR À QUEIMA-ROUPA (1993) e MARÉ VERMELHA (1995).



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