terça-feira, setembro 04, 2007

Bobby e Peter Farrelly — os auteurs do Ridículo?



Se a comédia continua a ser encarada como género "menor" no seio do panorama cinematográfico, bastará recordar o contributo do slapstick e da sitcom enquanto elementos formadores da chamada Sétima Arte para se rebater essa afirmação? Talvez, mas é fácil reparar em como a maioria das comédias, anualmente, são estreadas durante os meses de Verão e encaradas como objectos angariadores de receitas de bilheteira. De facto, a maioria delas transformam-se em sucessos. Será por essa razão que a comédia, enquanto género de cariz popular, não é propícia à criação de "autorismo"?

Nesse ponto, são poucos os nomes que conseguem obter o título de criadores de "humor inteligente", partido do conceito de que essa será, indubitavelmente, a única condição para se empregar o termo «autor». Num ápice, poder-se-ia referir Frank Capra, Jacques Tati ou Woody Allen como os mestres de comédia de qualidade. Mas serão os únicos merecedores de tal estatuto?



A 16 de Dezembro de 1994, estreou nos EUA, de forma pálida, DOIDOS À SOLTA (DUMB AND DUMBER), protagonizado por um Jim Carrey em franca expansão de notoriedade e realizado pelos "caloiros" irmãos Farrelly, Bobby e Peter. Cedo se conseguiu identificar os mecanismos que colocaria no "mapa" esta dupla de cineastas: o gag de mau gosto (com predominância para a exploração de piadas envolvendo fluídos corporais e escatologias diversas), a ausência intelectual dos protagonistas, o abundar de situações e diálogos nonsense, personagens envolvidas nas piores circunstâncias sem que para tal tenham intervenção directa e, na que bem pode ser a característica mais subtil dos irmãos Farrelly, uma extravagante paródia da sociedade norte-americana.

Contudo, só a estreia de DOIDOS POR MARY (THERE'S SOMETHING ABOUT MARY, 1998) confirmaria todas estas imagens de marca dos Farrelly. O catalisador para este sucesso terá sido, certamente, o elenco mais familiar do público geral — a saber, Cameron Diaz, Ben Stiller e Matt Dillon, acompanhados por competentes actores de comédia como Lee Evans e Chris Elliot. DOIDOS POR MARY contém, à partida, todos os elementos clássicos das comédias românticas made in America. O mais interessante é a distorção quase perversa efectuada a esses mesmos elementos: as paixões por Mary são de tal modo impulsivas ao ponto de serem consideradas crime e capazes de provocar os piores acessos de urticária; o baile de finalistas, cliché tão querido do imaginário norte-americano, é aqui reinterpretado como um evento em que tudo o que de mal poderia acontecer, acontece e com proporções épicas; a figura do deficiente mental ganha protagonismo cómico pelas suas limitações; e nenhuma preocupação de esta opção estética ser moralmente incorrecta.



O filme foi um sucesso de bilheteira (aliás, saldou-se como o terceiro filme mais lucrativo de 1998), recebeu críticas mornas mas nem por isso excessivamente negativas e a infame sequência do "gel para o cabelo" proporcionou uma fonte interminável de paródias e referências nos anos seguintes ao filme. Todavia, a principal conclusão a retirar do êxito de DOIDOS POR MARY foi ter estabelecido os irmãos Farrelly como visionários de um mundo cinematográfico muito próprio, por mais ofensivo que este possa ser.

Tal exclusividade permite classificar os irmãos Farrelly de «autores» por uma razão muito simples: qualquer filme do duo é imediatamente reconhecível pelo público mais aplicado. EU, ELA E O OUTRO (ME, MYSELF AND IRENE, 2000), O AMOR É CEGO (SHALLOW HAL, 2001) e (STUCK ON YOU, 2003) partilham o mesmo método de humor directo e simplista — apenas excluo OSMOSIS JONES, provavelmente o título mais mainstream da filmografia dos Farrelly e no qual até figura animação em 2D!

Para concluir, fica aqui a referência à produção vindoura dos Farrelly, nomeadamente THE HEARTBREAK KID, um reencontro com Ben Stiller, com estreia já para este ano. Oportunidade para revermos o seu "estilo": só o trailer descortina todos os itens que enumerei nos parágrafos anteriores.



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