segunda-feira, outubro 29, 2007

O Fiel Jardineiro (2005), de Fernando Meirelles



O FIEL JARDINEIRO é uma experiência cinematográfica bastante satisfatória pelo facto de, entre todos os seus principais intervenientes, não existirem decepções. O argumento respeita os ambientes de intriga política dos romances de John Le Carré, o realizador Fernando Meirelles (responsável pelo fantástico A CIDADE DE DEUS) cumpre a sua quota parte de virtuosismo e os desempenhos de Ralph Fiennes e Rachel Weisz, nos papéis principais, são dos mais sólidos que 2005 nos proporcionou.

Justin Quayle (Fiennes), diplomata britânico com apetência para a jardinagem mais complexa, apaixona-se por Tessa (Weisz), inconsciente do intenso trabalho activista da sua esposa, a qual dedica forças e recursos para expôr publicamente uma poderosa farmacêutica empenhada em testar ilegalmente, no Quénia, medicação contra a tuberculose sem garantias do fármaco ser eficaz. Tessa suspeita que estas experiências poderão estar a causar milhares de vítimas, e a sua recusa em abandonar o seu empreendimento provoca a sua morte por homícidio.

É a morte de Tessa que impele Justin a descobrir todos os contornos sórdidos daquela investigação, conduzindo-o aos meandros da África em profunda crise humanitária e descobrindo



Mais do que um manifesto sobre a condição sócio-económica de alguns países da África Subsaariana — e houve quem o criticasse por não ser —, O FIEL JARDINEIRO é, acima de tudo, um thriller político, repleto de espionagem e conspiração ao mais alto nível governamental, sem menosprezar o motor central da narrativa, ou seja, a natureza do romance entre as personagens principais. O registo visual impresso por Meirelles ao filme (e pelo seu director de fotografia, César Charlone, que acompanha o realizador brasileiro desde A CIDADE DE DEUS) denota esta constatação: a iluminação idílica das sequências de paixão entre Justin e Tessa; a utilização de filtros azuis, nas cenas em Nairobi, apontam para as incertezas que grassam a cidade; e o calor do deserto africano é captado em todo o seu esplendor de amarelos abrasadores.

É impossível não realçar o desempenho oscarizado de Rachel Weisz neste O FIEL JARDINEIRO — provavelmente, estamos perante o post-mortem mais conseguido em Cinema desde o de Kevin Spacey em BELEZA AMERICANA (1999). Acredito fielmente que o simples voz-off da actriz, numa das sequências finais do filme, lhe valeu os prémios que arrecadou. Embora não tenha uma presença dominante, é a "sombra" de Tessa que influencia tudo e todos.



Contudo, o maior mérito de O FIEL JARDINEIRO pertence a Fernando Meirelles, um realizador que, cada vez mais, ocupa um lugar no "meu pódio" de cineastas predilectos. O recurso à narrativa não-linear é sempre um risco — basta recordar o quão denegrido foi BABEL por causa disso — mas, neste caso, não poderia haver melhor forma de apresentar esta história. Essa opção estética, aliada ao inquietante trabalho de câmara móvel, acrescenta inquietação e insegurança, impedindo a mínima presença de tédio no espectador.

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