segunda-feira, janeiro 21, 2008

O Maquinista (2004), de Brad Anderson



Um thriller hitchcockiano dos tempos modernos, este O MAQUINISTA revela-se como um produto de espreitadela obrigatória, seja pela paranóia visual contagiante que ostenta, ou para ver uma das metamorfoses mais radicais alguma vez empreendida por um actor de reputação mundial.

Rumores contam que Christian Bale submeteu-se a um rigoroso plano de alimentação, composto de uma lata de atum e uma peça de fruta por dia, de modo a perder os 40 kg fundamentais para personificar Trevor Reznik, empregado numa fábrica de maquinaria e mortificado por uma ausência de apetite e sono inexplicáveis, que duram há quase um ano. Apesar do seu aspecto pouco robusto, Trevor consegue atrair a companhia constante, embora de natureza distinta, de duas mulheres: uma prostituta chamada Stevie (Jennifer Jason Leigh) e a empregada de um café do aeroporto local que dá pelo nome de Marie (Aitana Sánchez-Gijon). A primeira meia hora do filme é dedicada à exploração deste triângulo de personagens, sem grandes laços em comum entre si mas capazes de arrancar alguma expressão mais afável de Trevor.



O filme entra em territórios misteriosos quando, num dia normal de trabalho, Trevor contribui, intencionalmente, para um acidente quase fatal na fábrica que dilacera o braço a um colega. Imediatamente, recai sobre ele todo o tipo de suspeitas menos positivas, iniciando um turbilhão de sentimentos paranóicos que dominam o filme, visual e narrativamente falando, até ao momento das respostas que – não surpreendentemente – se revelam num twist final.

Em última análise, O MAQUINISTA é uma obra interessante a vários níveis. Corre riscos de forma ousada, os quais poderiam, noutras circunstâncias ou com intervenientes menos cabais, arruinar a experiência da sua visualização. O “reduzido” aspecto físico de Christian Bale, sem dúvida um testemunho extremo dos princípios do Actor’s Studio, é tão bem conseguido que chega a ser distractivo relativamente aos motivos principais do filme. Para além disso, durante quase toda a sua metragem, paira sempre o espectro de as atrocidades que afligem Trevor serem prenúncios do desfecho rocambolesco da história, o qual deixou-me com um certo travo delicodoce na boca. Por outras palavras, e sem querer revelar pormenores cruciais, interroguei-me sobre se já não tinha visto aquele desenlace noutro sítio qualquer...



Brad Anderson demonstra capacidades para considerá-lo como um cineasta a ter em conta (o seu próximo projecto, TRANSSIBERIAN, parece ter muito bom aspecto). Sabe gerir os ritmos da acção, atesta alguma originalidade na composição cénica e consegue arrancar-nos um ou dois arrepios genuínos. Sem estas características, O MAQUINISTA cairia rapidamente no esquecimento. Pelo contrário, é um título com argumentos para figurar entre os melhores de 2004, e surpreendo-me com a ausência de "retribuição" à performance de Christian Bale naquele ano; cada vez mais, convenço-me de que é o melhor actor britânico da sua geração.

Não é todos os dias que vemos um thriller psicológico cujo protagonista, padecendo do maior complexo de perseguição cinematográfico alguma vez observado, possibilita a reflexão acerca dos momentos em que erramos no passado e de como devemos obter a redenção, por mais que esta nos custe. Aliado ao permanente desconforto em que o filme nos coloca, O MAQUINISTA é uma obra de originalidade própria, e ainda temos o bónus de comprovar que os anos passam e Jennifer Jason Leigh continua a apresentar aquele ar de mulher à beira dos trinta. Ainda existem actrizes capazes de desafiar as leis do tempo...

1 comentário:

Loot disse...

Não achei que ele tinha contribuído intencionalmente para o acidente na fábrica.

De resto concordo com o que dizes é um bom filme e a transformação do Bale é avalassadora.
Por motivos de saúde ele não devia ter exagerado, mas acho que contribuiu muito para nos transmitir o um retrato mais fiel do seu personagem.


SPOILERS
Quanto ao final percebo o que dizes, acontece-me com alguns filmes agora, desde que vi o Fight Club o impacto nunca mais foi o mesmo, apesar de no Maquinista haver diferenças.

Abraço

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