segunda-feira, junho 02, 2008

Instinto Fatal 2 (2006), de Michael Caton-Jones



Em 1992, Paul Verhoeven levou à ribalta um dos filmes mais marcantes da década passada, o qual permaneceu na memória da cinefilia, de forma injusta, mais pela polémica que gerou do que por mérito próprio: INSTINTO FATAL alimentou todo o género de reacção, excepto a indiferença. Foi para o thriller policial o que O ÚLTIMO TANGO EM PARIS (1972) representou para o drama romântico. Além disso, trouxe aos olhos do público uma desconhecida actriz, de seu nome Sharon Stone, que com um infame cruzar de pernas e magníficas linhas de diálogo arrebatou Hollywood.

Nesse filme, existe uma sequência cuja alusão serve de ponto de partida para a presente apreciação da sua sequela. Quando Nick (Michael Douglas) e Gus (George Dzundza) conduzem a brilhante e perversa Catherine Tramell (Sharon Stone) para interrogatório, esta comenta a certa altura: «Inventamos uma história, tem de ser credível. Chamam-lhe suspensão de descrença.» Gus responde sorridente: «Suspensão de descrença... Gosto disso!». Ora, eu também gostei. Era essa habilidade de "suspender a descrença" que fez INSTINTO FATAL funcionar, mesmo que a sua resolução aparentasse, a um olhar mais atento, alguma incoerência.



Catorze anos depois e com uma Sharon Stone no topo da "cadeia alimentar", procurou-se reavivar a chama do erotismo e inteligência emanada pela sua personagem. O resultado ficou muito aquém do desejado e as razões para tal são mais do que as cobiçadas: uma pré-produção atribulada, um argumento a várias mãos, uma inexplicável mudança de cenário (de São Francisco para Londres), a ausência de um lead masculino à altura da protagonista, etc. Exceptuando Stone e o produtor Mario Kassar, ninguém do primeiro filme regressou para o projecto — entretanto falecido, a sombra do músico Jerry Goldsmith vai surgindo, amíude, com o tema principal que compôs para Paul Verhoeven —, o que poderá representar outro motivo do insucesso, a vários níveis, de INSTINTO FATAL 2.

Catherine Tramell volta a envolver-se em problemas legais, desta vez por estar ao volante do automóvel que causa a morte do futebolista (um breve cameo de Stan Collymore, antigo jogador do Liverpool) que viajava ao seu lado. Automaticamente constituída suspeita, é-lhe solicitada avaliação psiquiátrica. O Dr. Michael Glass (David Morrissey) fica encarregue dessa tarefa e diagnostica Catherine como uma "viciada em risco". Sob o pretexto de querer explorar a patologia, Catherine submete-se a consultas regulares com Michael. Pouco tempo passa até que o psiquiatra entre no jogo da novelista mais letal da Sétima Arte, pondo em risco a sua licença médica, já de si ameaçada por um erro deontológico ocorrido anos antes. Pelo meio, um detective londrino (David Thewlis) concentra-se numa série de crimes, todos eles com um elo comum: Catherine Tramell.



A expectativa de um argumento centrado no mecanismo do whodunit era previsível, mas as constantes reviravoltas e mudanças de acusações que INSTINTO FATAL 2 regista na sua última meia hora (e não guardo segredo da minha apatia perante esse género de motor narrativo) transforma qualquer conclusão em tudo menos algo satisfatório. Nem as fugazes sequências de sexo conseguem quebrar a confusão gerada pela criação de tantos pontos simultâneos de atenção.

Numa nota mais positiva, o melhor do filme vai mesmo para uma esforçada Sharon Stone (talvez consciente do seu estatuto de "peso-pesado" nesta produção), que lida adequadamente com a omnipresença concedida à sua personagem - por vezes, a sua personagem parece capaz de "atravessar paredes", estando sempre nos bons e maus momentos da história. Destaque para a direcção de fotografia do húngaro Gyula Pados, não fazendo pejo de ser um dos principais discípulos de Vilmos Zsigmond.

1 comentário:

Isabela disse...

Acho inclusive superior ao anterior.

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