domingo, fevereiro 08, 2009

FOME (2008), de Steve McQueen



O grande problema da estreia tardia (ou inexistente) de alguns títulos no circuito das salas de cinema portuguesas é sofrermos com a perca de obras de inegável mérito e criatividade, numa época em que estes dois substantivos rareiam. É óbvio que sempre se pode recorrer à moralmente ambígua opção da pirataria informática ou, se o nosso (cada vez mais escasso) orçamento mensal permitir, encomendar um DVD de Região 1 pela Internet. Assim, quando fosse altura de elaborar a "obrigatória" lista dos «Dez Melhores Filmes» do ano, não seria possível deixar de frisar aquela produção que mexeu com o nosso interior aquando da sua visualização e afectou o nosso exterior durante dias a fio.

Serve este intróito para referir a pena que nutro por não ter visto FOME antes do término de 2008. Caso contrário, teria figurado no meu Top 10 referente aquele ano, figurando certamente entre os lugares cimeiros.



Um retrato intimo do espírito selvagem de Bobby Sands, membro do IRA que, em 1981, liderou as greves de fome dos prisioneiros de County Down, perecendo, ao fim de seis semanas, pelas consequências desta enfurecida forma de protesto. A sua vida nunca encontrou conforto, nem a religião lhe serviu de panaceia. Tal como é observado num longo plano-sequência de 17 minutos (aparentemente, um recorde) em que Sands debate com um padre visitante os méritos de uma greve de fome auto-induzida; rejeitando os argumentos do sacerdote, Sands debita - para lá de qualquer simpatia política ou religiosa - a abstracta História do sofrimento físico. Na verdade, FOME enceta numa exploração do corpo humano enquanto veículo de protesto: os prisioneiros entornam a sua urina para o corredor da prisão, onde enormes poças fundem-se quase por magia; homens em robustos uniformes policiais desancam presidiários nus até ao estado de carne viva; a comida, ignorada durante dias, apodrece ao ponto de criar larvas.

No seu destemido compromisso pelo realismo da vida prisional, Steve McQueen "oferece-nos" um estudo individual de vidas despedaçadas pelo rigor dos papéis institucionais, observando como o hiato entre guardas e prisioneiros acaba por se dissolver, repetidamente, numa violência cerimonial. O cineasta não recua perante os modos mais chocantes de transmitir a sua mensagem, elevando este FOME (premiado com o Camera d’Or no Festival de Cannes de 2008) ao estatuto de filme que nos faz acreditar que ainda não vimos tudo em Cinema.

7 comentários:

Anónimo disse...

Já não me recordava que este é um filme que não posso deixar de ver. Obrigada pela lembrança!

Sam disse...

De nada Raquel; sempre ao dispôr :)

P.S.: Raquel, tens blogue?

Filipe Machado disse...

Caro Sam, mais um grande filme que infelizmente não vi, ainda... Espero vê-lo brevemente através dos tais "canais alternativos"... Abraço!

Anónimo disse...

Sam, não tenho blogue. Muito (mas muito) ocasionalmente colaboro no blogue Additional Camera.

Anónimo disse...

Onde posso encontrar o video para ver na net???

Inês Moreira Santos disse...

Bastante tempo depois de ti, vi FOME, e não podia concordar mais contigo. O Steve McQueen sabe o que faz.

Cumprimentos cinéfilos,

Inês

Sam disse...

Inês, nunca é tarde para o conhecer :)

Cumps cinéfilos.

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