quarta-feira, março 10, 2010
IL DIVO (2008), de Paolo Sorrentino
Após um domínio quase absoluto, compreendido entre as últimas duas décadas, das obras de realizadores como Giuseppe Tornatore (O HOMEM DAS ESTRELAS, BAARÌA), Roberto Benigni (A VIDA É BELA) ou Nanni Moretti (O QUARTO DO FILHO), autores cujas carreiras parecem ter atingido a estagnação e/ou o declínio, Paolo Sorrentino assume, com IL DIVO (merecedor do Grande Prémio do Júri, no Festival de Cannes, em 2008), o estatuto de um dos nomes mais prometedores e representativos do Cinema Italiano contemporâneo.
Focando-se na figura de Giulio Andreotti, figura incontornável do panorama político italiano durante mais de meio século (três vezes Primeiro-Ministro, duas vezes Ministro da Defesa, um mandato como Ministro do Interior e diversos cargos diplomáticos preenchem o seu currículo), este filme dramático relata os acontecimentos que culminaram na série de julgamentos em que o estadista foi acusado, e subsequentemente ilibado, de diversas ligações à Máfia — diga-se de passagem, um tema bastante em voga entre os jovens cineastas italianos, tal como o sucesso de GOMORRA (Matteo Garrone, 2008) atestou.
O principal atractivo de IL DIVO é o próprio Andreotti: enigmático, impassível e frio, com propensão para enunciar aforismos tão sarcásticos como "O poder desgasta quem não o possui". É esse o espírito assumido pelo realizador-argumentista Sorrentino que, embora reconhecendo o papel e influência seminais deste político na História italiana do Século XX, traça o seu perfil biográfico de modo quase paródico. Um adjectivo extensível ao magnífico desempenho de Toni Servillo, capaz de nos fazer encontrar por trás de uma máscara exagerada — rosto empedernido, ombros fechados e corcovados, orelhas permanentemente dobradas sob a pressão de uns óculos enormes — o reflexo do espírito atormentado, limitado e potencialmente sinistro daquele indivíduo.
Enquanto realizador, Sorrentino demonstra afeição por um estilo "pouco Europeu" de filmar, sendo quase inevitável não citar como referências Guy Ritchie (planos repletos de cinetismo) ou Oliver Stone (na exposição de camadas narrativas que justapõem realidade com especulação). A sequência inicial de IL DIVO revela a sua personalidade, nostálgica e moderna, enquanto cineasta: gráfica e detalhada, sugerindo pequenas fracções de um panorama geral de insensatez humana, a sua composição fílmica está também infundida de desgosto e fatalismo, dois sentimentos que a cinematografia transalpina tem explorado há várias décadas.
O principal obstáculo ao pleno usufruto de IL DIVO advém do desconhecimento (generalizado?) de quem é Andreotti e do que o seu trabalho representou. Mesmo assim, o filme é melhor apreciado enquanto objecto de estudo sobre um mal amado que, de modo insondável, tornou-se num dos líderes mais bem sucedidos da Itália. O que terá aquela nação, conhecida mundialmente pela exuberância dos seus habitantes, visto neste homem emocionalmente imperturbável? Um dos momentos altos do filme — entre outras sequências de fulgurante imaginação — demonstra Andreotti num explosivo monólogo confessional, advogando os méritos do mal enquanto veículo indissociável do bem.
Muitos aspectos ficarão, decerto, perdidos para os menos atentos à realidade política aqui descrita. O elenco dos sequazes que rodeiam Andreotti — realce para a forma como são apresentados no início do filme, num slow-motion reminiscente dos Westerns de Sergio Leone — apresenta um vigor insinuador de um perfil caricatural de personalidades tão conhecidas para os italianos como os nomes de António Vitorino, Teixeira dos Santos, Carlos César ou Silva Pereira são para os portugueses. Contudo, se não conseguirmos interpretar IL DIVO da mesma forma que o seu espectador natal, podemos apreciar, sem reservas, a dissecação executada pelo filme sobre um certo género de personalidade pública, isto é, aquela que anseia tanto a aceitação popular como o poder político sem, por uma única vez, manifestar as aptidões básicas que definem o ser humano.
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