sábado, julho 24, 2010

A ORIGEM (2010), de Christopher Nolan



Se existe legado reservado para A ORIGEM, será a sua elevação a padrão de como um blockbuster deve apresentar-se: visualmente atraente, narrativamente inteligente, profundamente envolvente e totalmente satisfatório. Na verdade, existem poucos adjectivos para louvar a dimensão aplicada por Christopher Nolan a um argumento que assume diversos riscos — quer na sua coerência como na capacidade de gerar receitas de bilheteira — do princípio ao fim das suas duas horas e meia de duração. Impressionante? Sim, e ainda só estamos no primeiro parágrafo...

A ORIGEM foi desenvolvido ao longo de dez anos, tempo suficiente para gerar uma ambiciosa história de frenesim onírico, onde as personagens atravessam sonhos dentro de sonhos a um ritmo que estimula a compreensão e fascina os sentidos do espectador. E quando falei anteriormente de riscos, referia-me precisamente ao argumento de A ORIGEM. A sua "pesada" estrutura, com a acção a decorrer em realidades paralelas mas sempre interdependentes, revela a segurança de Nolan enquanto storyteller (definitivamente, um dos melhores da actualidade a trabalhar em Hollywood). Qualquer passo em falso poderia fazer ruir esta complexa linha narrativa; como se se tratasse de um jogo de xadrez, é necessário acompanhá-la desde o início e com redobrada concentração, ou o "xeque-mate" ao espectador é rapidamente infligido.



Quanto à história propriamente dita, é imperativo não descortinar o mistério concebido durante a campanha promocional de A ORIGEM — porque todo o apreciador de cinema merece descobrir A ORIGEM por si próprio. Destaquemos apenas que Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) é o maior perito numa tecnologia chamada "Extracção", que consiste em aceder ao inconsciente de indivíduos explorando a vulnerabilidade humana quando sonha e acedendo, assim, aos segredos mais íntimos e preciosos de um determinado alvo. Mas tal ocupação veio a tornar-se cara para Cobb, obrigado a refugiar-se de uma perseguição que lhe é movida, a nível internacional, pelo seu passado e actividades neste tipo de espionagem empresarial.

Surge-lhe então a hipótese de redenção na forma de Saito (Ken Watanabe), que promete restaurar a imagem de Cobb perante a lei se este aceder a uma tarefa quase impossível: em vez de extrair um segredo, Saito deseja a implantação de uma ideia na mente do seu principal rival de negócios, Robert Fischer (Cillian Murphy). Pela ausência de alternativas, Cobb aquiesce a esta perigosa solicitação, reunindo uma equipa composta pelo seu sócio de longa data Arthur (Joseph Gordon-Levitt), a jovem arquitecta de sonhos Ariadne (Ellen Page), um mestre de disfarces, Eames (Tom Hardy), e o "alquimista" Yusuf (Dileep Rao), transportando-os numa viagem aos níveis mais profundos da consciência humana.

Aos contornos de ficção-científica de A ORIGEM soma-se o lado emocional da personagem de Cobb, que ainda vive torturado pela perda da esposa, Mal (Marion Cotillard). A sua projecção é uma constante presença (e, sobretudo, ameaça) em todos os cenários oníricos a que Cobb acede...



É impossível falar sobre A ORIGEM sem destacar o seu virtuosismo, algo a que Christopher Nolan já nos habituou desde o seu filme de estreia, MEMENTO (2000). Há sequências que ficam indelevelmente (e de forma apropriada, tendo em conta o argumento) "implantadas" na memória do espectador, como a impressionante visão de um comboio atravessando uma avenida repleta de automóveis, ou aquele — já antológico — confronto físico entre Arthur e um produto do inconsciente de Fischer num corredor de hotel em vertiginosa rotação. O mérito, neste campo, vai também para o director de fotografia Wally Pfister, que regista, com magistral irrepreensibilidade, locais tão díspares como o calor de Marrocos ou o gelo dos Alpes.

A banda sonora, outra fantástica criação de Hans Zimmer, pauta os visuais de sonho do filme com grandiosidade e um toque clássico na sua sonoridade. As interpretações são intocáveis, nomeadamente Leonardo DiCaprio que consegue, sozinho, aguentar toda a história. E outros longos elogios caberiam neste texto.



Depois de arrebatar plateias com THE DARK KNIGHT — O CAVALEIRO DAS TREVAS (2008), Christopher Nolan volta a superar quer a sua própria obra como a fasquia das produções que futuramente sairão de Hollywood. A ORIGEM não só é a obra mais original do Verão de 2010, como também reveste-se de um estatuto que originará culto incondicional e múltiplas interpretações filosóficas nos anos vindouros. O último filme que causou semelhante impressão foi, provavelmente, MATRIX (1999) e não é por acaso que estes dois títulos têm sido amiúde comparados.

Em suma, A ORIGEM sonha alto e sonha bem. Nolan engendra um impressionante thriller como poucos conseguem hoje em dia. A vontade de o rever torna-se quase numa obrigação, sobretudo por aquele plano final que nos deixa com um nó de ansiedade na garganta. Mais detalhes só com a visualização. Prometo que serão as melhores duas horas e meia que preencheram nos últimos dias...

6 comentários:

J. Luca disse...

Sua crítica amplia todas as minhas expectativas sobre este filme.
Christopher Nolan é um excelente diretor e, como você mesmo mencionou, um ótimo storyteller, provavelmente o melhor em Hollywood atualmente...

Quando lançar por aqui, serei um dos primeiros na fila do cinema!!!

pseudo-autor disse...

Estou ansioso pela estreia. Nolan foi uma das melhores coisas que surgiu no cinema americano nos últimos anos (prova disso é Amnésia e O Cavaleiro das Trevas) e o filme promete! Tem tudo pra ser o filme do ano.

Cultura na veia:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Bruno Cunha disse...

Muito boa crítica, aliás, concordo, Nolan sonha alto e sonha bem com Inception.

Abraço
Cinema as my World

Sam disse...

J. Luca e pseudo-autor,

não percam assim que estrear perto de vós. É o filme do ano!

Nekas,

já dizia o outro: "o sonho comanda a vida" :)

Obrigado pelos vossos comentários, voltem sempre!

Roberto Simões disse...

Estou integralmente de acordo.

4*

Roberto Simões
CINEROAD

Os Filmes de Frederico Daniel disse...

O filme é uma obra-prima. 5*

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