segunda-feira, setembro 20, 2010

CARLOS (2010), de Olivier Assayas



Vertiginoso, explosivo, globetrotting e absolutamente obrigatório. Breves palavras para descrever o "enorme" CARLOS, biopic acerca do terrorista mais mediático da era pré-Osama Bin Laden. Exibido fora de competição durante a última edição do Festival de Cannes numa versão com cinco horas e meia, e emitido em três partes pelo Canal+, Olivier Assayas executa, até à data, o seu projecto mais ambicioso, almejando, aparentemente, a "reabilitação" junto do público e crítica após as reacções mornas a TEMPOS DE VERÃO (2008) e BOARDING GATE (2007).

Não abdicando do seu estilo próprio de realização — de câmara ao ombro e montagem "palpitante" —, o principal trunfo de Assayas reside na complexa tarefa de não só retratar, com bastante neutralidade, a vida de um homem que foi tudo menos pacífica e, ao mesmo tempo, elaborar o testemunho impressionante de um zeitgeist (a saber, os anos 70 do Séc. XX) em que a Europa era cenário privilegiado para tira-teimas dos vários conflitos que grassavam no Médio Oriente e onde assaltar um avião parecia ser tão fácil quanto o moderno fenómeno do carjacking.



Financiado por toda a organização opositora aos EUA e Israel (desde a FPLP até aos serviços secretos iraquianos, libaneses, sírios e líbios), o venezuelano Ilich Ramírez Sánchez assumiu o 'nom de guerre' Carlos para ameaçar os «interesses do capitalismo imperialista» no mundo árabe através da força e de uma série de golpes que o tornaram num dos primeiros criminosos perseguidos mundialmente.

Como demonstração do que o levou a conquistar tal "estatuto", o filme recria, com notável detalhe e realismo, os planos mais radicais de Carlos, sendo pontos altos sequências como a espectacular tentativa de explodir um avião da El Al recorrendo a rockets disparados do parque de estacionamento do aeroporto de Orly ou a turbulenta tomada de reféns durante uma cimeira da OPEP em Viena.



Mas CARLOS não se limita a acções de terrorismo político. Há espaço para uma abordagem quase pormenorizada das relações pessoais do protagonista, assim como da postura que assumiu em diversas ocasiões e que terão, simultaneamente, alimentado simpatia e repugnância populares. «Sou um soldado e não um mártir!», exclama Carlos a certa altura, quando recusa levar a cabo um banho de sangue (com ele incluído) durante o irregular desenvolvimento de uma negociação de reféns, não obstante a pressão dos restantes membros do seu grupo.

Embora seja de concepção intrinsecamente cinematográfica, a fragmentação de CARLOS para a emissão televisiva em três partes distintas — ascensão, auge e queda do protagonista — permite a adequada retenção de nomes, locais e situações pelo espectador. Na sua longa duração, poucos sentirão tédio. O argumento de Olivier Assayas (apoiado nessa tarefa por Dan Franck, um dos argumentistas mais profícuos da Europa) é excelso na criação de elipses narrativas que nos mantêm sempre na "rota" dos acontecimentos, mesmo que seja escasso o nosso conhecimento do tema.



Mas a verdadeira estrela é Edgar Ramirez na pele de Carlos, 'O Chacal' (curiosamente, uma alcunha nunca mencionada em todo o biopic), que se transfigura física, psicológica e até idiomaticamente (o actor expressa-se, pelo menos, em seis línguas diferentes) para capturar impecavelmente o ego enorme, charme considerável e manifesta disposição para a criminalidade da personalidade representada. Dominando o filme de uma ponta à outra, Ramirez apenas encontra "adversário" na breve presença de Ahmad Kaabour, reputado compositor libanês, enquanto Wadie Haddad, carismático líder das FPLP.

No cômputo geral, CARLOS é obra definitivamente a não perder. O próprio Ilich Ramírez Sánchez, presentemente a cumprir pena perpétua em França, já o viu. E deve ter ficado deveras "fascinado", pois interpôs um processo judicial exigindo o pagamento de royalties pela utilização da sua imagem. Mas isto é fantástico ou quê?!

8 comentários:

Tiago Ramos disse...

Olivier Assayas é um realizador interessante, por acaso já "adquiri" este filme... e tenho bastante curiosidade!

Sam disse...

Tiago,

tenho 99% de certeza que a tua curiosidade não sairá defraudada :)

Abraço.

pseudo-autor disse...

Um filme de 5 horas e meia? Tem que ser obra-prima. Só que a questão é que o Assayas é um grande realizador! Merece o meu interesse.

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Alexandre disse...

Este é claramente daquelas situações em que o mito ultrapassa a realidade. Na verdade o "enorme" Carlos era um terrorista desastrado e falhado que recebeu o seu nome "O Chacal" de um jornalista à procura de um título bombástico, após um tiroteio num apartamento em Paris.
Alguns dos seus ataques entraram no anedotário do terrorismo, entre os quais o ataque falhado ao avião israelita.Enfim, nada como perpetuar o mito, mesmo à custa de uma "obra prima".

Sam disse...

pseudo-autor,

do ponto de vista narrativo e técnico, este é um filme mesmo imperdível!


Alexandre,

em nenhum ponto do meu texto afirmo que a figura de Carlos é glorificada. Aliás, saliento que o personagem é retratado com "bastante neutralidade". E a expressão "enorme" no primeiro parágrafo refere-se à duração e escala do filme... o qual, enquanto arte, é algo de realmente único :)


Cumps aos dois.

Alexandre disse...

Caro Sam
Eu percebi que o "enorme" se referia à duração do filme. A glorificação retirei-a de frases como "ego enorme, charme considerável e manifesta disposição para a criminalidade", ou de "Ramirez apenas encontra "adversário" na breve presença de Ahmad Kaabour" ou ainda "espectacular tentativa de explodir um avião da El Al". Cada uma destas afirmações pode ser historicamente rebatida e corresponde à imagem mitificada de um terrorista, numa altura em que Wadi Haddad, Ahmed Jibril, Abu Nidal ou Ali Hassan Salameh (o Píncipe Vermelho)eram bem mais perigosos.
De qualquer forma, devo confessar que esta é apenas uma uma percepção retirada da leitura que fiz (por isso vale o que vale), uma vez que ainda não vi o filme, mas pretendo, obviamente vê-lo numa primeira oportunidade.
Quando o fizer farei uma uma critica mais fudamentada.
Cumprimentos e bons filmes.

Sam disse...

Caro Alexandre,

reitero que não pretendi glorificar o terrorista. Para colmatar a ausência de referência a isso no texto, afirmo que o filme também não é um exercício de glorificação.

Os epítetos que citou do texto são, apenas, referentes à interpretação de Edgar Ramirez e à imagem que ficou associada a Carlos (mulherengo, capaz de "recrutar", para o bem e para o mal, outros por uma "causa", etc.), que nem por isso é totalmente positiva.

Este é um dos principais desafios de falar/escrever sobre um filme: transmitir uma ideia sem suscitar no ouvinte/leitor duplas interpretações. Mas daqui vem outro "prazer cinéfilo": debater as ideias e motivos de uma obra cinematográfica.

Obrigado pelas palavras e não deixe de partilhar aqui o link da sua apreciação deste filme.

Cumps cinéfilos.

Anónimo disse...

Carlos é um mito..sem os mitos ñ haveria historia..o tenho tatuado em meu braço esquerdo!!resultado de uma epoca.

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