segunda-feira, outubro 18, 2010

WALL STREET: O DINHEIRO NUNCA DORME (2010), de Oliver Stone



Num filme em que as teses de dinheiro ganho, dinheiro a ganhar e (muito) dinheiro a perder representam pontos de partida, é de estranhar que WALL STREET: O DINHEIRO NUNCA DORME se centre mais na "ganância" pelo reatamento de relações familiares e amorosas do que com os jogos de poder e fortuna que transformaram WALL STREET (1987) numa obra tremendamente interessante sobre um assunto tão técnico como é o do mercado bolsista.

Afinal de contas, a actualidade noticiosa parece resumir-se ao conturbado ambiente financeiro provocado pelos "seres" que povoavam esse primeiro filme, agora venerado pelo seu estatuto de saga moral e relato nostálgico de uma época em que o capitalismo parecia ser o caminho para a remissão dessa «empresa disfuncional chamada Estados Unidos da América», do que pelos seus méritos fílmicos. Quando a produção desta muito esperada sequela foi anunciada, não era complicado prever que a crise do sub-prime de 2008, e que ainda hoje patenteia toda a sua pujança, dominasse o argumento e aprofundasse os avisos que Oliver Stone enunciou em 1987. Para surpresa geral (incluindo a minha), é-nos apresentado um melodrama morno e por vezes pouco envolvente, onde abunda a quebra e reconciliação afectiva em detrimento do detalhado apontar de dedos a quem criou, exacerbou e revelou o terramoto financeiro contemporâneo.



Após cumprir longa pena de prisão por insider trading e fraude de investimentos, Gordon Gekko (Michael Douglas) regressa a Nova Iorque, demonstrando aura de pecador redimido e autor de um livro — «A Ganância Será Boa?» — que destaca a especulação desregulada como a razão fulcral para o fracasso do neo-liberalismo dos anos 80. No meio deste regresso à "arena" mediática, encontra Jacob (Shia LaBeouf), um jovem ambicioso e idealista que procura erguer-se da bancarrota do banco onde trabalha — assim como do suicídio do seu mentor e presidente daquela instituição (Frank Langella, numa pequena mas cativante participação) — e, coincidentemente, noivo da filha de Gekko, Winnie (Carey Mulligan), que rompeu o contacto com o pai após a sua condenação.

Para Jacob, a aproximação a Gekko representa uma oportunidade para aprender mais acerca das regras do "jogo" e, assim, ripostar contra o responsável pela sua ruína financeiro-pessoal; para Gordon, trata-se de um privilegiado caminho para se reaproximar da filha. No meio deste cenário, surge Bretton James (Josh Brolin), um CEO bancário de viperino requinte que enriqueceu à custa da aquisição de empresas em processo de insolvência. Através da mercadoria mais preciosa no mundo da alta finança, ou seja, a manipulação de informação, Gekko e Jacob concluem que Bretton é o alvo a abater...



É impossível não descrever WALL STREET: O DINHEIRO NUNCA DORME como um drama quase inteiramente centrado em relações de índole emocional, já que estas ocupam mais tempo de ecrã do que vislumbres da azáfama comum no New York Stock Exchange, revelando um Oliver Stone "macio" — a confrangedora sequência que acompanha os créditos finais são disso sintoma. Conhecendo o seu percurso, filmar a crise financeira mundial seria um pretexto impecável para o cineasta regressar ao estilo frenético que saiu da sala de montagem de títulos como JFK (1991), NIXON (1995) ou até o curioso W (2008), ziguezagueando entre a abordagem documental e o reinventar de factos históricos. Caro Oliver, nem sequer o ensaio de uma "teoriazinha" de conspiração?

Em última análise, e no que será o primeiro drama inteiramente focado na actual crise económica, o filme revela-se como entretenimento ligeiro, mas onde é possível observar momentos de acutilante simbolismo (vejam-se as mordazes comparações do mercado bolsista à solidez de uma bolha de sabão), a magnífica direcção de fotografia (assinada por Rodrigo Prieto) que nos mostra uma Nova Iorque ironicamente resplandecente e lampejos de fulgor interpretativo dos actores mais velhos (o já referido Langella e Eli Wallach, no papel de um sinistro patriarca de Wall Street). Douglas não vacila na reencarnação da sua figura mais icónica e está bem acompanhado pelos jovens protagonistas, Shia LaBeouf e, sobretudo, Carey Mulligan, a exceder-se na pele de uma personagem unidimensional. O seu impacto não perdurará muito tempo na nossa memória futura mas, inevitavelmente, até os realizadores mais criativos atravessam períodos de crise...

P.S.: O que não parece mesmo atravessar tempos conturbados é esse "monumento" ao capitalismo do fast-food que dá pelo nome de pipocas. A minha paciência e ouvidos foram severamente testados, durante todo o filme e como há muito não me sucedia, pelo ruminar de milho estourado do casal que se encontrava sentado ao meu lado. Quando é que o equivalente à CMVM das salas de cinema portuguesas cria "mecanismos legais" para minimizar este fenómeno?

1 comentário:

Tv e Cinema disse...

Olá, Samuel

Bom ver uma pessoa de Ponta Delgada como eu por aqui. Olha,também tenho um blog sobre cinema e gostaria de fazer troca de links com outros blogs/sites do mesmo tema. Se tiver interessado, contacte-me, o meu url é o www.tvecinema.net e o e-mail- info@tvecinema.net.

Cumprimentos,
Sérgio

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