Breve resumo dos principais filmes visualizados esta semana:
. TARTUFO
. A DAMA DO LAGO
. BRUTALIDADE
. THE PHANTOM CARRIAGE
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. TARTUFO (1925), de F.W. Murnau
Um jovem actor (André Mattoni) apresenta ao seu avô milionário (Hermann Picha) um filme sobre o impostor Tartüff (Emil Jannings), de modo a expor a hipocrisia dos planos fatais de uma empregada (Rosa Valetti) que pretende deitar as mãos à fortuna do seu velho patrão.
Exemplo modesto de Expressionismo Alemão, TARTUFO será um dos trabalhos menos conhecidos da filmografia de Murnau, mas revelador de um lado humanista do realizador que a maioria dos cinéfilos só detecta em AURORA (1927). Com essa menor predominância técnica, os valores da célebre peça de Molière sobre cobiça e hipocrisia, são imediatamente colocados em primeiro plano, por vezes de uma forma deliciosamente cómica — inclusivamente, com direito a quebra da chamada fourth wall.
A veia expressionista (iluminação, enquadramento e representação) de Murnau só se encontra na sequência nocturna em que a natureza ignóbil de Herr Tartüff é exposta, vilão irrepreensivelmente encarnado por Emil Jannings, numa perfeita combinação de humor e horror. Eis um sublime conto moral, sem pejo em lembrar a plateia, incluindo a contemporânea, de se acautelar perante hipócritas e manipuladores, pois eles, tal como a pobreza, estão sempre entre nós...
. A DAMA DO LAGO (1947), de Robert Montgomery
Uma editora (Audrey Totter) de uma revista contrata Philip Marlowe (Robert Montgomery) para descobrir o paradeiro da esposa do seu patrão. Rapidamente, o detective privado vê-se envolvido num caso de homicídio.
Curioso exercício de estilo noir, onde toda a história — com excepção de alguns interlúdios em que o próprio Marlowe partilha as suas suposições com o espectador — é contada através do ponto de vista do protagonista mas que, infelizmente, não se torna memorável após a sua visualização.
Esse tratamento subjectivo da "câmara enquanto actor" apenas pode ser considerado como parcialmente bem sucedido, revelando-se A DAMA DO LAGO como um título apropriado para aficionados do film noir clássico, para os mais atentos a truques técnicos (sobretudo, os cortes disfarçados em aparentes longos planos-sequência) e para observar o quão longe os criadores do género eram capazes de ir de forma a imprimir variedade e interesse a um argumento que, desde a sua premissa, poucos caminhos possuía para explorar.
. BRUTALIDADE (1947), de Jules Dassin
Numa penitenciária de alta segurança, o prisioneiro Joe Collins (Burt Lancaster) planeia uma revolta contra o Capitão Munsey (Hume Cronyn), um violento e implacável chefe prisional.
Esqueçam EU SOU UM EVADIDO (1932, Mervyn LeRoy), OS CONDENADOS DE SHAWSHANK (1994, Frank Darabont) ou O HOMEM DE ALCATRAZ (1962, John Frankenheimer); o melhor filme norte-americano sobre a vida de um encarcerado é este drama semi-desconhecido do grande público, absolutamente noir sem "requisitar os serviços" de um detective privado e mais interessado na dissecação de temas como poder social em detrimento da observação de justiça prisional ou da típica e heróica narrativa sobre uma fuga da prisão.
Com duas grandes interpretações de Burt Lancaster e, sobretudo, Hume Cronyn na caracterização de um guarda prisional sádico e sedento por poder, BRUTALIDADE é, também, produto do espírito norte-americano da era em que foi produzido, onde as feridas da Segunda Guerra Mundial ainda estavam em processo de catarse. Dassin não deixa de aludir ao conflito, tanto explícita como implicitamente, tornando-se inevitável a comparação entre a repressão carcereira e os métodos do Terceiro Reich. Destaque final para o extenso elenco feminino (Yvonne De Carlo, Ann Blyth, Ella Raines) que povoa as memórias em flashback dos reclusos da cela R-17.
. THE PHANTOM CARRIAGE (1921), de Victor Sjöström
É véspera de Ano Novo. Três homens evocam a lenda do destino de quem for o último pecador a morrer naquele ano: ser condutor da carruagem que recolhe a alma dos falecidos durante um ano inteiro. David Holm (Victor Sjöström), alcoólico e arruaceiro, morre quando soa a última badalada da meia-noite...
Ingmar Bergman afirmou, a certa altura, que este é «o filme de todos os filmes» e a obra mais inspiradora da sua carreira. A mesma impressão pode ser assumida pelo cinéfilo que se deparar com THE PHANTOM CARRIAGE, obra-prima de apelo universal e intemporal, intrinsecamente Dickensiana, que vagueia entre o drama moral e o terror sobrenatural e reveladora de uma proficuidade técnica quase hipnótica (a visão da "carruagem fantasma" é um portento no uso primitivo da dupla exposição em Cinema).
Mais do que um dos primeiros exemplos de terror cinematográfico, o filme de Sjöström é um importante argumento para a validade moral da Sétima Arte (e esta constatação reveste-se de tremendo significado nos dias que correm, onde o debate acerca da sua relevância actual para a educação dos públicos indica, quase sempre, o prenúncio de morte deste meio artístico). Aqui, a "carruagem fantasma" é o próprio Cinema, um veículo que nos pode entreter, assombrar ou deprimir, mas também instruir e aperfeiçoar. O filme exibe claramente a estilização da época em que foi produzido — a versão restaurada e editada pela Criterion, numa interessante decisão, deixou intactas as impiedosas marcas de degradação que o tempo aplica à película de nitrato —, mas a sua mensagem sobreviverá, sem dificuldades, ao decorrer dos anos.
domingo, novembro 06, 2011
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3 comentários:
Gosto bastante da fluidez do teu discurso.
Roberto Simões
» CINEROAD «
Obrigado, @Roberto.
O Korkarlen tive a oportunidade de ver e gostei bastante.
Quanto ao Tartufo está na minha lista de filmes a ver, mas acaba sempre por ficar de lado.
Cumprimentos
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