domingo, abril 01, 2012

Críticas da Semana

Breve resumo dos principais filmes visualizados esta semana:

. FAUST
. POLISSIA
. VERGONHA
. CORIOLANO

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. FAUST (2011), de Aleksandr Sokurov



Um médico (Johannes Zeiler) vende a sua alma ao diabo em troca de conhecimento.



Leão de Ouro no último Festival de Veneza e filme de árdua categorização, FAUST é, indubitavelmente, produto exclusivo da visão de Sokurov: aqui, apenas se encontram resquícios de Goethe e Mann e privilegia-se as idiossincrasias do cineasta russo. A obra poderá sofrer tematicamente, através do seu existencialismo filosófico e dedicado aos efeitos nocivos do poder na natureza humana (refira-se que FAUST é a conclusão de uma tetralogia sobre essa tese, da qual constam MOLOKH, TELETS e SOLNTSE), mas em contrapartida é-nos servido um colorido "tratado" sobre excesso e a imperiosa necessidade do meio termo na nossa vida.

Misterioso mas opiáceo, simultaneamente profano e sagrado, quase inacessível mas surpreendentemente divertido, surreal mas de reconstituição histórica verosímil, FAUST desenrola-se, apesar da magnífica fotografia que invoca Vermeer ou Herri Bles, na sombra dos seus predicados ideológicos e da excentricidade visual do realizador sem atingir um equilíbrio narrativo e de imagética constante. No entanto, e por consentir variedade interpretativa, é de visualização muito recomendada.

. POLISSIA (2011), de Maïwenn Le Besco



A rotina diária dos polícias da Unidade de Protecção a Crianças face à busca de equilíbrio entre as suas vidas pessoais e a realidade que enfrentam todos os dias.



Se existem títulos cujo reconhecimento generalizado acaba por nos surpreender pela negativa, este será definitivamente um dos melhores exemplos recentes — e até lhe tem associado um Prémio do Júri de Cannes. Numa mistura de cinema vérité e Grande Reportagem da TVI, apresenta um conjunto de vinhetas supostamente pungentes — e intercruzadas, por um débil exercício de montagem, com a vida pessoal dos membros daquela brigada — que possui o único condão de banalizar os assuntos abordados.

O interesse em POLISSIA acontece, somente, durante a exposição dos contornos da hipotética ausência de ética profissional e sensibilidade/empatia humana no seio de uma das vertentes mais melindrosos da investigação policial. São os melhores momentos forjados por Maïwenn Le Besco mas, perante a restante inépcia demonstrada, fica no ar a dúvida se essa intenção no filme alguma vez existiu...

. VERGONHA (2011), de Steve McQueen



Brandon (Michael Fassbender) é um jovem de sucesso em Nova Iorque. Para se distrair da monotonia do dia-a-dia, seduz mulheres, embrenhando-se numa série de casos de uma só noite. No entanto, o seu estilo de vida entra em colapso quando a sua irmã Sissy (Carey Mulligan), uma jovem rebelde e conturbada, aparece inesperadamente.



Exemplo fulgurante e incondicional de filme que "entranha mas nunca se estranha", mesmo perante a sordidez das suas imagens e circunstâncias, VERGONHA confirma o seu estatuto de proeza cinematográfica do ano transacto não só pelo retrato humanamente sombrio, de um hedonismo camuflado de sex addiction — a obsessão pelo prazer imediato e egoísta aqui detalhada poderia muito bem aplicar-se a um heroinómano ou viciado no jogo — e da alienação social do seu protagonista, como também pela "geometria" dos corpos, rostos e espaços (num registo frio e absolutamente anti-erótico) de Steve McQueen, que não concede, nem por um minuto, conforto ao espectador.

Se tematicamente estamos perante algo de complexo, inexorável e emocionalmente devastador, VERGONHA transporta essas características também para a problemática relação fraternal de Brandon e Sissy, num excelente trabalho de química confrontacional entre Fassbender e Mulligan. Obrigatório, cuja visualização nunca deverá ficar tolhida por puritanismos nem conservadorismos.

. CORIOLANO (2011), de Ralph Fiennes



Caius Martius Coriolano (Ralph Fiennes), um reverenciado e temido general romano, mostra-se relutante em insinuar-se junto das massas, cujos votos necessita para assegurar o cargo de Cônsul. Quando o povo se recusa a apoiá-lo, a raiva de Coriolano gera um motim que culmina na sua expulsão de Roma. O herói banido alia-se então ao seu jurado inimigo Tullus Aufidius (Gerald Butler) para se vingar da cidade.



Para lá de todo o revisionismo histórico da primeira experiência de Fiennes na cadeira de realizador, preserva-se a atmosfera shakespeariana de lealdade familiar, intriga política e traição pessoal, assim como a virilidade das personagens e acontecimentos de CORIOLANO — até Volumnia (uma fulgurante Vanessa Redgrave), mãe do herói do título, tem a determinação própria de um líder romano —, ao mesmo tempo que o interessante ensaio de paralelismo com os nossos tempos (sentido de dever público no exercício de cargos políticos, austeridade económica, inquietação e manipulação populares, etc.) comprovam como a actualidade não está tão diferente da do bardo de Stratford-upon-Avon.

Embora a modernização cinematográfica de tragédias de Shakespeare não seja um fenómeno novo — basta lembrarmo-nos de ROMEU + JULIETA (1996, Baz Luhrmann) ou TITUS (1999, Julie Taymor) —, o facto de esta ser supervisionada por esse "animal de palco shakespeariano" chamado Ralph Fiennes é motivo suficiente para se apoiar todas as decisões estéticas que a sustentam, incluindo a (para alguns) polémica manutenção do arcaísmo dos diálogos. Muito recomendado.

2 comentários:

Inês Moreira Santos disse...

Sabia que ias adorar o Coriolano e o Vergonha, claro. :)
Tenho alguma curiosidade quanto ao Faust, mas já coloquei o Polissia de parte. :P

Excelentes observações, como sempre.

Cumprimentos cinéfilos.

Sam disse...

Sim, Inês, já não é novidade que conheces bem os meus gostos cinéfilos... ;)

Cumps cinéfilos.

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