domingo, março 17, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Kandahar, de Mohsen Makhmalbaf




A guerra contra o terrorismo, empreendida pelos Estados Unidos desde 2001, ajudou a cimentar o estatuto de KANDAHAR enquanto filme dedicado à situação geopolítica do Médio Oriente e, em particular, do Afeganistão. Em retrospectiva, tal conceito assume-se como um erro absoluto. Produzido antes dos acontecimentos do 11 de Setembro, Mohsen Makhmalbaf constrói uma homenagem absurda, evocativa e necessariamente austera à condição da mulher afegã em pleno regime Talibã — e nada do que anteriormente se lera ou vira acerca daquele sistema político descobre eco neste filme.

Aqui observamos o drama de Nafas (Nelofer Pazira, recriando a sua história verídica), uma jornalista Canadiana que procura chegar a Kandahar antes que a irmã cometa suicídio — um desejo que esta expressou numa carta endereçada à protagonista — durante um eclipse solar que ocorrerá brevemente. Atravessando o deserto com um jovem oportunista chamado Khak, e consciente da condição feminina no seu país natal, Nafas regista num gravador áudio os sentimentos que extrai da série de encontros surreais com que se depara.

Uma das principais distinções de KANDAHAR reside na sua estrutura formal. Semelhante a um documentário, o filme aparenta não ter início nem fim, somente a viagem de Nafas e respectiva interacção com outros membros da realidade isolada e destroçada com que se depara: desde a presença de um médico, no meio do deserto, que pelas leis do seu país apenas pode examinar as pacientes através de um buraco numa cortina, passando pelo grupo de convidados para um casamento a caminhar pelas dunas, até à bizarra e assombrosa visão de mutilados em perseguição de uma prótese da perna lançada de um avião, os temas do filme são estabelecidos segundo estas sequências cuidadosamente dispostas.

Se a observação do lugar da mulher nesta sociedade, inteiramente singular quando contextualizada no passado recente da História da Feminilidade, afigura-se como motivo narrativo primordial, Mohsen Makhmalbaf também não ilude o espectador na apresentação de um paradigma (leia-se, o Afeganistão enquanto país) cujo futuro — algo ainda mais notório à data de estreia do filme — permanece vacilante e inseguro, mas onde existe sempre a sensação de que a perseverança não é demeritória.

por Samuel Andrade.

Elenco
. Nelofer Pazira (Nafas), Hassan Tantai (Tabib Sahid), Sadou Teymouri (Khak), Hoyatala Hakimi (Hayat), Ike Ogut (Naghadar)


Palmarés
. Festival de Cannes: Prémio do Juri Ecuménico
. Festival de Thessaloniki: Prémio Secções Paralelas


Sobre Mohsen Makhmalbaf

Um dos principais nomes da Nova Vaga do cinema Iraniano, os seus filmes exploram normalmente posições individuais no seio de atmosferas sociais e políticas. Desde o puro realismo à fantasia surreal, destacam-se na sua filmografia obras como BICYCLERAN (1987), NOBAT E ASHEGHI (1990), NASSEREDDIN SHAH, ACTOR-E CINEMA (1992) e GABBEH (1996).



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