segunda-feira, abril 08, 2013

O Cinema dos Anos 2000: 24 Hour Party People, de Michael Winterbottom




A liberdade total de expressão, em qualquer das suas formas, é um sonho há muito perseguido por aqueles que elegeram a produção criativa e artística como formas de vida. Tony Wilson, manager discográfico e empresário musical, tentou ser a plena encarnação dessa utopia — seja nos riscos que assumiu, na atitude demonstrada ou no sangue que usou para assinar um contrato e provar assim o seu compromisso em nunca impor barreiras às bandas que agenciou. O mesmo sentimento transpira em 24 HOUR PARTY PEOPLE, uma obra de cinema ambiciosa, auto-condescendente e ousada com os factos da personalidade que recria.

Tony Wilson (vigorosa e apaixonadamente interpretado por Steve Coogan), é o eixo pelo qual gravita uma série de personagens que surgem e desaparecem ao ritmo vertiginoso da montagem e da exuberante direcção de fotografia de Michael Winterbottom. Amplificando o teor mitológico de algumas sequências — desde a mencionada assinatura a sangue até àquela involuntária reunião na mesma sala de uma série de ilustres desconhecidos que mais tarde dariam cartas no Brit Rock —, 24 HOUR PARTY PEOPLE coloca Wilson num lugar de simultâneo controlo e passiva observação do nascimento de fenómenos como os Sex Pistols, os Buzzcocks ou os Joy Division, permitindo que o filme se centre nestas individualidades. Os quais, em alguns dos casos, conseguem superá-lo. Exemplo disso é Sean Harris, exemplar na demonstração da intensidade em palco, e inquietação na privacidade, do lendário Ian Curtis — cujo desaparecimento faz-se sentir também durante o filme.

Cedo percebemos que não é preocupação do realizador se a autenticidade da imagem de Tony Wilson, manifestada em 24 HOUR PARTY PEOPLE, fica próxima da realidade ou não — nem se, por outro lado, da imagem da época em que se situa. Este é um inesperado filme utópico (não há que recear voltarmos, num mesmo texto, ao termo "utopia"), onde, em vez de uma mensagem, encontramos algo de mais importante na figura do protagonista: de que o rock n' roll, tal como a juventude, é impulsionado pelo idealismo. No caso de Wilson, esse conceito revela-se nos excessos de um homem de negócios extravagante, adúltero, tagarela e toxicodependente que, perante a sua própria ruína, é capaz de respeitar e dignificar o seu semelhante. Capaz de um optimismo que nunca interfira com o entusiasmo de outros, nem de se vender sem manter a integridade dos seus ideais. Capaz de ser suficientemente grande para a História da música Britânica, e ser grande no momento em que sai de cena.

por Samuel Andrade.

Elenco
. Steve Coogan (Tony Wilson), Conrad Murray (Bailey Brother), John Thomson (Charles), Shirley Henderson (Lindsay Wilson), Paddy Considine (Rob Gretton), Lennie James (Alan Erasmus), Andy Serkis (Martin Hannett), Sean Harris (Ian Curtis)


Sobre Michael Winterbottom

Conhecido por produzir filmes intensos e apaixonados dedicados às exigências e emoções das relações humanas, e sem nunca prender-se a um género específico, o ecletismo de Winterbottom tem surgido em interessantes títulos como BENVINDO A SARAJEVO (1997), IN THIS WORLD (2002), TRISTRAM SHANDY: A COCK AND BULL STORY (2005) e A CAMINHO DE GUANTÁNAMO (2006).



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