
Richard Kelly, argumentista e realizador do muito amado
DONNIE DARKO (2001) e do muito detestado
SOUTHLAND TALES (2006), tem uma predilecção pelo apocalíptico. Tal como nesses filmes, este
A CAIXA é sincero, sinistro e inevitavelmente ambicioso, uma obra séria que insiste sempre na sua seriedade mesmo quando arrisca precipitar-se no absurdo. E à semelhança desses anteriores títulos, Kelly recorre a um particular género (nesta caso, o terror/suspense) para dissertar acerca da condição humana (ou condicionamento), entre um emaranhado de alusões culturais e cenários de catástrofe eminente. Para o cineasta, o "fim" nunca está próximo. O "fim" é uma realidade presente.
As semelhanças entre estes três filmes são marcantes e sugerem que ou Kelly está empenhado no desenvolvimento de uma visão labiríntica do mundo enquanto veículo para a abordagem de pertinentes questões filosóficas ou, em contrapartida, preso a um contra-relógio de impasse criativo.

"Navegando" nesta incerteza estão, também, os protagonistas de A CAIXA. Norma e Arthur Lewis (Cameron Diaz e James Marsden), são um casal da classe média, aparentemente feliz e próspero, residente num agradável subúrbio da Virginia, nos anos 70, com o seu filho Walter (Sam Oz Stone). No entanto, Norma, professora num liceu particular, e Arthur, engenheiro da NASA que aspira ser promovido a astronauta, vivem acima das suas possibilidades económicas e morais. Apesar do carro desportivo de última gama estacionado na garagem, Norma depara-se com o inesperado cancelamento da bolsa de estudos do filho e Arthur é surpreendido pela notícia de que a sua promoção foi rejeitada. Não admira, portanto, que ambos ponderem, com imenso interesse, a oferta de um milhão de dólares que lhes bate, literalmente, à porta.
Mas esta recompensa surge com uma áspera condição: assim que for pressionado o botão vermelho numa pequena caixa de madeira, alguém no mundo e completamente desconhecido para os Lewis tem de morrer, tal como lhes é assegurado pelo portador da oferta, Arlington Steward (Frank Langella), um homem de modos refinados e cara terrivelmente desfigurada. Com apenas 24 horas para chegarem a uma decisão final, o passo fulcral é dado por Norma. Ou seja, o botão é pressionado...

Revelar mais pormenores do argumento constituirá uma ameaça ao desfruto de A CAIXA por parte de quem ainda não o visualizou. Porque o filme, apesar da potencial absurdidade da sua narrativa, é surpreendentemente fluído e inspirado, sem um único momento morto de grande registo e capaz de prender o espectador até aos últimos
frames. Os predominantes castanhos da fotografia recordam-nos películas dos anos 70, a banda sonora é arrepiante, a montagem descortina circunstâncias e locais de uma forma que invejaria o próprio Stanley Kubrick quando este filmou
SHINING (1980). E as interpretações não saem envergonhadas, com o "renascido" Frank Langella apropriadamente intimidador na figura de um peculiar anjo da morte e Cameron Diaz a dar razão aos que acreditam que a actriz deveria explorar, mais e melhor, o seu lado "negro".
A principal conclusão de A CAIXA (porque da sua história é bem possível que não se tire muitas, depende imenso dos gostos de cada um) é a de que Richard Kelly assume-se como um cineasta detentor de visão incomparável no actual panorama norte-americano, mas que precisa, urgentemente, de encontrar um argumentista parceiro capaz de limar e esclarecer as suas ideias. Com tantos apontamentos visuais de qualidade, é pena que o realizador os extravie num manto de assuntos dispersos, aprisionando o seu talento numa "caixa" por ele mesmo concebida.