Kathryn Bigelow?
Corrijam-me, por favor, se a memória me falhar ou a minha pesquisa não estiver bem feita, mas nenhuma realizadora, na história da Sétima Arte, almejou, com tanto êxito, o mesmo grau de mestria em filmes de acção (um género dominado pelo masculino, seja ele à frente ou por trás das câmaras) como Kathryn Bigelow.
O "olho" para a construção de narrativas assentes na força, explosão e velocidade, ingredientes essenciais para um filme de acção, reside nesta californiana desde muito cedo. O seu primeiro trabalho, produzido quando ainda era estudante na Universidade de Columbia, chama-se THE SET-UP (1978), um ensaio em forma de curta-metragem com 20 minutos que pretendia explicar «porque a violência em Cinema é tão sedutora». (1)
E essa premissa tem guiado a carreira de Kathryn Bigelow, juntamente com a eliminação do papel frágil da mulher num actioner. O primeiro exemplo desta hábil e inusitada combinação de elementos pode ser observada em DEPOIS DO ANOITECER (1987), interessante conto vampiresco ultra-violento e esteticamente bem concebido. A partir desta película, a sua carreira foi marcada por três títulos obrigatórios para uma percepção cinematográfica dos anos 90, que passo a salientar.
AÇO AZUL (1990)
Produzido por Oliver Stone e com Jamie Lee Curtis (à época, uma actriz em estado de graça) a liderar o elenco, combina thriller policial com elementos do drama, físico e psicológico, de Megan Turner, uma "caloira" da Polícia de Nova Iorque com ambição e desejo de singrar num mundo tipicamente dominado por homens. Contudo, o seu primeiro dia na esquadra não é dos melhores: após abater um suspeito de assalto à mão armada, Megan não consegue provar que disparou em legítima defesa e, por isso, o conflito com os seus superiores hierárquicos é inevitável. A agente encontra conforto em Eugene Hunt (Ron Silver), um corretor de Wall Street, mas a "sombra" de um implacável serial killer, cuja identidade está mais próxima de Megan do que a princípio julgaríamos, marca a explosiva e violenta segunda metade do filme.
A "vítima feminina" de AÇO AZUL nunca se mostra desamparada, embora a sua posição seja minada pelos mecanismos narrativos (e masculinos) habituais de um filme de acção convencional. Uma protagonista que demonstra inteligência, poder físico e capacidade emocional para enfrentar as várias ameaças que se lhe deparam, este subvalorizado filme pode bem ser considerado como uma génese do fenómeno girl power que marcou a década de 90.
RUPTURA EXPLOSIVA (1991)
Em Los Angeles, Johnny Utah, jovem agente do FBI (Keanu Reeves), infiltra-se num grupo de surfers que poderão ser os responsáveis por uma série de assaltos a bancos que tem devastado a reputação das forças policiais. Durante a missão, enceta amizade com o seu líder carismático, Bodhi (Patrick Swayze), colocando-o numa dupla posição desconfortável junto do FBI e no seio dos potenciais criminosos.
RUPTURA EXPLOSIVA obteve um sucesso considerável aquando da sua estreia, catapultando Keanu Reeves para o estatuto de sex-symbol que ainda hoje detém e foi um momento decisivo para Bigelow, assinalando a viragem definitiva na percepção geral sobre mulheres ao leme de um filme de acção. Elevado a «filme de culto», o seu plot point é encarado, por muitos, como inspirador do argumento de VELOCIDADE FURIOSA (2001) — quem viu os dois títulos, não consegue negar as semelhanças...
ESTRANHOS PRAZERES (1995)
Com o mundo a preparar-se para entrar numa distópica versão do ano 2000, uma nova tecnologia permite, virtualmente, a sensação de todos os prazeres permitidos e interditos. Lenny Nero (Ralph Fiennes) é o principal traficante destes chips clandestinos, ocupação que, cedo e inesperadamente, colocará a sua vida em perigo.
Realizado sob a alçada do realizador James Cameron [EXTERMINADOR IMPLACÁVEL (1984), TITANIC (1997)], seu marido na altura, Bigelow concretiza aqui a obra de maior dimensão na sua carreira — a influência de Cameron é por demais perceptível — e aquela onde a cineasta explora, sem freios, os motivos predominantes da sua filmografia: sequências de acção brutais e ofegantes, possantes personagens femininas e violência estilizada. E é de frisar a declarada homenagem, de uma ponta à outra do filme, a BLADE RUNNER - PERIGO IMINENTE (1982), de Ridley Scott...
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A ambição patenteada em ESTRANHOS PRAZERES, apesar do razoável número de críticas positivas, não se reflectiu nas bilheteiras. Se este facto condicionou o resto da carreira de Bigelow, é algo que permanece por responder. Os seus filmes posteriores, TEMPESTADE NO MAR (2000), sobre a investigação dum homicídio, em alto mar, ocorrido no século XIX, e K-19 (2002), a história verídica da quase-tragédia de um submarino nuclear russo, não colheram a mesma notoriedade dos três títulos supracitados, apesar de constituírem dois interessantes exemplos do vigor que Bigelow gere por trás das câmaras.
O retorno ao sucesso poderá aparecer com THE HURT LOCKER, de 2008. Narrativa centrada numa equipa de especialistas de desactivação de minas no seio da guerra no Iraque, tem sido muito bem recebido — Eurico de Barros, por exemplo, não se coibiu nos elogios (2), realçando a capacidade de Bigelow em filmar o conflito como poucos homens o conseguiram, ou conseguirão fazer.
Só falta a Bigelow o "condão" de inspirar mais realizadoras a possuírem esta mesma confiança à frente de um filme de acção. Existem alguns nomes que o tentaram (Antonia Bird, Catherine Hardwicke, Mimi Leder, Jennifer Lynch, Kimberly Peirce...), mas o sucesso é esparso.
segunda-feira, janeiro 19, 2009
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1 comentário:
Muito bem visto.
"Ruptura Explosiva" é um excelente filme de acção.
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