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Se há ilação fundamental a retirar das escolhas do Júri do 62º Festival de Cannes, anunciadas ontem ao fim da tarde, é a de que, neste certame, a imprensa cinematográfica tem pouca ou nenhuma influência nas decisões finais.
Senão, vejamos: aos filmes mais "agredidos" pela Crítica, Cannes respondeu com prémios. Até MAP OF THE SOUNDS OF TOKYO, imediatamente apelidado de "aborrecido" assim que os créditos finais surgiram no ecrã, conquistou o Vulcain Prize para melhor trabalho artístico(!).
Fica também provado que Cannes ama Michael Haneke. Apesar da sua fama de cineasta provocador e arrasador - com aquele visual de 'avozinho louco' a colaborar -, o seu DAS WEIβE BAND [The White Ribbon] saiu com a Palma de Ouro e dois prestigiantes galardões — a saber, o prémio da Crítica Internacional e uma menção honrosa do Júri Ecuménico. Feitas as contas, Haneke facturou, até à data, oito galardões no âmbito da denominada Selecção Oficial.
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Neste desenlace, não deixa de ser curioso o facto de Isabelle Hupert, protagonista (e laureada em Cannes por essa interpretação) de A PIANISTA, também realizado por Haneke, ter sido a Presidente do Júri desta edição do Festival. É deliciosamente tentador especular o favorecimento de Hupert ao cineasta que, penso ser legítimo afirmá-lo, impulsionou, como ninguém, a carreira da actriz gaulesa.
Outro aspecto notável é o ênfase na violência, de todos os géneros, que predominou nas imagens dos vencedores desta edição.
DAS WEIβE BAND [The White Ribbon] é um drama histórico, filmado a preto e branco, que realça uma série de inexplicáveis incidentes violentos que podem ser orquestrados pelas crianças residentes na aldeia onde a acção decorre; UN PROPHÈTE, de Jacques Audiard, que recebeu o Grande Prémio do Júri, debruça-se sobre um jovem prisioneiro cuja vivência no cárcere transforma-o num indivíduo ainda mais insensível à lei; FISH TANK, o retrato negro da realidade social duma adolescente inglesa, e THIRST [Bakjwi], um conto vampiresco do sul-coreano Chan-wook Park, receberam ex aequo o Prémio do Júri; KINATAY, cujo realizador, Brillante Mendoza, viu a sua mise-en-scène recompensada, foi considerado um dos 'shockers' deste ano.
E não esqueçamos as interpretações galardoadas: Christoph Waltz como sádico nazi em INGLORIOUS BASTERDS, de Quentin Tarantino, e Charlotte Gainsbourg, na pele de uma mãe enlutada e esposa que, aos poucos, cede perante o lado mais negro da sua psique, no altamente controverso ANTICHRIST, de Lars Von Trier.
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Exceptuando os dois primeiros vencedores referidos no parágrafo anterior, todos os filmes supracitados foram devassados pelos jornalistas presentes em Cannes - situação que gerou irascíveis conferências de imprensa (sobretudo, a de ANTICHRIST) e apreciações de grande desalento (vide a crítica do Hollywood Reporter sobre INGLORIOUS BASTERDS).
Quando interpelados acerca da experiência de pertencer ao corpo de um Júri de Cannes, foi frequente ler a afirmação de que nenhum membro se inteira das críticas antes do veredicto final. Este input, a ser real, demonstra que a imprensa não detém qualquer peso neste processo de votação. Apesar da "carnificina" cinematográfica recompensada por Isabelle Hupert e seus pares, o Festival apresentou o habitual glamour para reafirmar que em Cannes todos se engalanam, única e exclusivamente, pela dedicação à Sétima Arte. Mesmo que os gostos populares fiquem, no final, ressentidos...
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Em nota final, escasseiam-me as palavras para expressar o orgulho que senti ao ler o nome de João Salaviza entre os laureados do Festival. A sua Palma de Ouro, pela curta-metragem ARENA, assinala o primeiro prémio arrecadado em concurso por uma produção lusa no mais importante certame de Cinema realizado na Europa.
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Prova de que, afinal, há quem veja qualidade e mérito nos filmes portugueses, mesmo se Portugal ainda não aprendeu as técnicas para promover, tanto interna como externamente, o fruto de películas financiadas pelo erário público. Afinal, quantos sabiam que ARENA estava na competição de Curtas-Metragens em Cannes? Conseguirão, também, referir que MORRER COMO UM HOMEM, de João Pedro Rodrigues, e NO MEU LUGAR, de Eduardo Valente, também lá estavam a discutir prémios? Fica o mote para a reflexão...
3 comentários:
Cara, achei seu blog na blogosfera - na real procurava os premiados de Cannes... e gostei da sua proposta e dos textos. Parabéns!
(já tive um blog de cinema por 3 anos e meio e teve uma hora que parei, era muita gente escrevendo a mesma coisa...ainda bem que ainda encontramos alguns blogs interessantes)
falow!
I'm looking forward to Lars Von Trier's "Antichrist." Seems to be a very polarizing film.
Confesso que não sabia que ARENA estava nomeado...::--))
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