segunda-feira, maio 25, 2009
Festival de Cannes 2009 — O Dia Seguinte
Se há ilação fundamental a retirar das escolhas do Júri do 62º Festival de Cannes, anunciadas ontem ao fim da tarde, é a de que, neste certame, a imprensa cinematográfica tem pouca ou nenhuma influência nas decisões finais.
Senão, vejamos: aos filmes mais "agredidos" pela Crítica, Cannes respondeu com prémios. Até MAP OF THE SOUNDS OF TOKYO, imediatamente apelidado de "aborrecido" assim que os créditos finais surgiram no ecrã, conquistou o Vulcain Prize para melhor trabalho artístico(!).
Fica também provado que Cannes ama Michael Haneke. Apesar da sua fama de cineasta provocador e arrasador - com aquele visual de 'avozinho louco' a colaborar -, o seu DAS WEIβE BAND [The White Ribbon] saiu com a Palma de Ouro e dois prestigiantes galardões — a saber, o prémio da Crítica Internacional e uma menção honrosa do Júri Ecuménico. Feitas as contas, Haneke facturou, até à data, oito galardões no âmbito da denominada Selecção Oficial.
Neste desenlace, não deixa de ser curioso o facto de Isabelle Hupert, protagonista (e laureada em Cannes por essa interpretação) de A PIANISTA, também realizado por Haneke, ter sido a Presidente do Júri desta edição do Festival. É deliciosamente tentador especular o favorecimento de Hupert ao cineasta que, penso ser legítimo afirmá-lo, impulsionou, como ninguém, a carreira da actriz gaulesa.
Outro aspecto notável é o ênfase na violência, de todos os géneros, que predominou nas imagens dos vencedores desta edição.
DAS WEIβE BAND [The White Ribbon] é um drama histórico, filmado a preto e branco, que realça uma série de inexplicáveis incidentes violentos que podem ser orquestrados pelas crianças residentes na aldeia onde a acção decorre; UN PROPHÈTE, de Jacques Audiard, que recebeu o Grande Prémio do Júri, debruça-se sobre um jovem prisioneiro cuja vivência no cárcere transforma-o num indivíduo ainda mais insensível à lei; FISH TANK, o retrato negro da realidade social duma adolescente inglesa, e THIRST [Bakjwi], um conto vampiresco do sul-coreano Chan-wook Park, receberam ex aequo o Prémio do Júri; KINATAY, cujo realizador, Brillante Mendoza, viu a sua mise-en-scène recompensada, foi considerado um dos 'shockers' deste ano.
E não esqueçamos as interpretações galardoadas: Christoph Waltz como sádico nazi em INGLORIOUS BASTERDS, de Quentin Tarantino, e Charlotte Gainsbourg, na pele de uma mãe enlutada e esposa que, aos poucos, cede perante o lado mais negro da sua psique, no altamente controverso ANTICHRIST, de Lars Von Trier.
Exceptuando os dois primeiros vencedores referidos no parágrafo anterior, todos os filmes supracitados foram devassados pelos jornalistas presentes em Cannes - situação que gerou irascíveis conferências de imprensa (sobretudo, a de ANTICHRIST) e apreciações de grande desalento (vide a crítica do Hollywood Reporter sobre INGLORIOUS BASTERDS).
Quando interpelados acerca da experiência de pertencer ao corpo de um Júri de Cannes, foi frequente ler a afirmação de que nenhum membro se inteira das críticas antes do veredicto final. Este input, a ser real, demonstra que a imprensa não detém qualquer peso neste processo de votação. Apesar da "carnificina" cinematográfica recompensada por Isabelle Hupert e seus pares, o Festival apresentou o habitual glamour para reafirmar que em Cannes todos se engalanam, única e exclusivamente, pela dedicação à Sétima Arte. Mesmo que os gostos populares fiquem, no final, ressentidos...
--//--
Em nota final, escasseiam-me as palavras para expressar o orgulho que senti ao ler o nome de João Salaviza entre os laureados do Festival. A sua Palma de Ouro, pela curta-metragem ARENA, assinala o primeiro prémio arrecadado em concurso por uma produção lusa no mais importante certame de Cinema realizado na Europa.
Prova de que, afinal, há quem veja qualidade e mérito nos filmes portugueses, mesmo se Portugal ainda não aprendeu as técnicas para promover, tanto interna como externamente, o fruto de películas financiadas pelo erário público. Afinal, quantos sabiam que ARENA estava na competição de Curtas-Metragens em Cannes? Conseguirão, também, referir que MORRER COMO UM HOMEM, de João Pedro Rodrigues, e NO MEU LUGAR, de Eduardo Valente, também lá estavam a discutir prémios? Fica o mote para a reflexão...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Keyzer Soze's Place by Sam is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0 Unported License.
Based on a work at sozekeyser.blogspot.com.
3 comentários:
Cara, achei seu blog na blogosfera - na real procurava os premiados de Cannes... e gostei da sua proposta e dos textos. Parabéns!
(já tive um blog de cinema por 3 anos e meio e teve uma hora que parei, era muita gente escrevendo a mesma coisa...ainda bem que ainda encontramos alguns blogs interessantes)
falow!
I'm looking forward to Lars Von Trier's "Antichrist." Seems to be a very polarizing film.
Confesso que não sabia que ARENA estava nomeado...::--))
Enviar um comentário