quinta-feira, outubro 07, 2010

MEU FILHO, OLHA O QUE FIZESTE! (2009), de Werner Herzog



A certa altura — aliás, em várias alturas — da visualização deste MEU FILHO, OLHA O QUE FIZESTE! qualquer um pode sucumbir à perplexidade e murmurar «Meu Werner, Olha o Que Fizeste!». A pergunta é muito razoável, tendo em conta o que nos é apresentado: avestruzes galopantes, espadas samurais, mariachis, um par de flamingos baptizados de MacDougal e Macnamara e a súbita presença de um anão que até parece pertencer a uma produção de David Lynch.

Na verdade, pertence mesmo: Lynch ocupa aqui lugar de produtor executivo, e em MEU FILHO, OLHA O QUE FIZESTE! figuram colaboradores associados à sua carreira, como o produtor Eric Bassett ou os actores Willem Dafoe, Grace Zabriskie e Brad Dourif — este último também presente no projecto anterior de Herzog, POLÍCIA SEM LEI (2009), onde figura um alucinado Nicolas Cage. Michael Shannon, de olhos ocasionalmente esbugalhados, assume aqui as "honras" do louco de serviço, interpretando Brad, um retrato ficcional de Mark Yavorsky, estudante universitário de San Diego que, em 1979, esfaqueou a mãe até à morte com um sabre.

Trata-se uma história desoladora, de sangrenta insensatez, mas que não deixa de possuir interessantes ou significativas potencialidades cinematográficas. Infelizmente, a visão de Werner Herzog (e, em certa medida, a de David Lynch) não as encontrou.



Os detectives Havenhurst (Dafoe) e Vargas (Michael Peña) iniciam mais uma ronda matinal discutindo banalidades sobre café — uma evocação a TWIN PEAKS é quase inevitável... — quando são interrompidos por uma comunicação rádio que os conduz até ao bairro sossegado onde a mãe (Zabriskie) de Brad jaz morta, numa poça de sangue, na casa de uma vizinha. Quanto ao filho da falecida, rapidamente enclausura-se na sua própria casa com uma arma e dois reféns.

A história de Brad desenvolve-se através de intermitentes flashbacks, narrados pela noiva dele, Ingrid (Chloë Sevigny), e o director teatral responsável por uma nova versão de «Orestes» em que Brad participou, Lee (Udo Kier). Em vez do confronto entre o protagonista e a polícia, que se desenrola nos confins de uma rua banal, são as memórias fragmentadas de Ingrid e Lee que oferecem a Herzog o espaço criativo para imaginar o que aconteceu e porquê: são os momentos mais sugestivos e cativantes de MEU FILHO, OLHA O QUE FIZESTE! Exemplo disso é a sequência em que Brad, a sua mãe e Ingrid, durante um jantar pouco animado, ficam surrealmente imobilizados, num momento de inesperada mise-en-scène que transporta o espectador para o exercício da curiosa decifração do seu sentido.



MEU FILHO, OLHA O QUE FIZESTE! é um estranho puzzle de sequências como esta, mas nenhuma é apresentada o tempo ou em circunstância suficientes para suscitar qualquer emoção que não seja a curiosidade. Ao contrabalançá-las com personagens como a de Dourif, o tio de Brad que rezinga acerca de galinhas e cria avestruzes, Herzog parece almejar alguma insondável noção importante, ou um retrato psicológico de desequilíbrio, ou talvez esteja apenas a "matar" tempo, o que nem pode ser considerado como algo de totalmente negativo.

Avestruzes, note-se, constituem um objecto fílmico interessante, especialmente quando o filme as regista a abocanharem um par de óculos do bolso de um incauto visitante no rancho de Brad Dourif ou a correrem por uma estepe no meio de uma nuvem de pó. O que tudo isto tem a ver com um homem que assassinou a própria mãe permanece em mistério. Num produto talhado para a ausência de consensos, talvez seja essa a sua (única?) intenção...

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