Breve resumo dos principais filmes visualizados esta semana:
. BEATS, RHYMES & LIFE: THE TRAVELS OF A TRIBE CALLED QUEST
. O QUADRO NEGRO
. RAMPART
. OS IDOS DE MARÇO
. UMA SEPARAÇÃO
--//--
. BEATS, RHYMES & LIFE: THE TRAVELS OF A TRIBE CALLED QUEST (2011), de Michael Rapaport
Documentário íntimo sobre a carreira artística e dramas pessoais dos membros de uma das bandas hip-hop mais inovadoras e influentes da última década.
O contraste entre os dois "protagonistas" não poderia ser mais saliente: Q-Tip, que se adorna impecavelmente com lenço e chapéu, ostenta aquela imagem que todos imaginam de uma estrela musical em topo de carreira; quanto a Phife Dawg, com a barba por fazer e de saúde débil, é o retrato de um ser amargurado pela rivalidade e ausência de oportunidades profissionais no mundo do hip-hop.
Tal como é habitual nos filmes dedicados a artistas e/ou músicos, a obra criativa é sempre mais interessante que os seus percursos biográficos, e o realizador Michael Rapaport (actor nova-iorquino que aqui se estreia na realização) teria sido mais incisivo caso tivesse investido maior energia na análise e especificidades da música dos já lendários A Tribe Called Quest. Contudo, quando o filme concentra as suas atenções nos problemas de saúde de Dawg — a braços com um transplante de rim derivado de uma diabetes mal controlada —, o espectador é confrontado com as segundas intenções deste documentário: uma pesarosa reflexão acerca das vicissitudes do destino, que não poupa ninguém, nem mesmo aqueles que estiveram na eminência do sucesso mundial.
. O QUADRO NEGRO (2000), de Samira Makhmalbaf
Um grupo de professores, todos homens, atravessam os caminhos montanhosos de uma região remota do Curdistão Iraniano. Carregando grandes quadro negros às costas, viajam de aldeia em aldeia à procura de alunos.
Obra reveladora da inusitada maturidade de Samira Makhmalbaf (na época da sua produção, contava apenas vinte anos), equilibra um profundo teor humanista com o absurdo, quase surreal, extraído de situações verídicas para conceber um dos filmes mais cáusticos e simbólicos sobre a importância da educação para a formação do indivíduo.
O quadro negro do título surge como a representação de uma vocação docente literalmente transportada às costas que durante o filme, e nas suas especificidades social e geográfica, assume diversas encarnações: esperança de um futuro melhor, protecção física, dote matrimonial, estabilidade financeira, vida e morte. Filmado num estilo que se poderia apelidar de "cinema guerrilha" — uma expressão que ganha duplo sentido tendo em conta o quão difícil é fazer cinema no Irão —, o argumento ensaia também, e com sucesso, a observação do estado sócio-político pré-11 de Setembro do Médio Oriente, potenciando a reflexão e debate sobre estes e outros temas.
. RAMPART (2011), de Oren Moverman
Em 1999, no auge de uma gigantesca investigação a suspeitas de corrupção na LAPD, Dave Brown (Woody Harrelson), um veterano e irascível agente da polícia, procura assegurar, simultaneamente, o bom nome da sua profissão, o bem-estar da sua família e
a sua própria sobrevivência.
O talento de Woody Harrelson, capaz de exteriorizar impulsos internos de uma personagem em arrepiantes composições físicas como poucos, só é novidade para quem tem andado distraído nos últimos trinta anos. Paradoxalmente, e no caso agora em análise, esse potencial demonstra-se como o maior obstáculo à concretização de uma obra satisfatória: "vergando" o argumento em linhas narrativas paralelas, num interminável rol de personagens secundárias e dependendo do protagonista para o seu desenvolvimento, as suas intenções morais — mal definidas desde o início — não encontram espaço de manobra nem eco substancial no espectador.
Basicamente, é uma tentativa de refazer a velha história do polícia que trilha um percurso ambíguo entre a lei e o crime. Nesse âmbito, títulos como LIGAÇÕES SUJAS (1990, Mike Figgis), POLÍCIA SEM LEI (1992, Abel Ferrara) ou DIA DE TREINO (2001, Antoine Fuqua) são mais bem sucedidos. Todavia e em última instância, RAMPART, para além de óbvio paradigma das capacidades de Harrelson, augura Moverman (que assinou, em 2009, o interessante O MENSAGEIRO) como cineasta adequado para complexas histórias sobre as delicadas interacções da humanidade no seio de um quotidiano urbano e proporciona-nos um par de boas interpretações por parte de Ben Foster (inesquecível em apenas seis ou sete minutos de ecrã) e de Brie Larson, no papel da rebelde filha mais velha do protagonista.
. OS IDOS DE MARÇO (2011), de George Clooney
Um ambicioso assessor de imprensa (Ryan Gosling) vê-se envolvido num escândalo político que ameaça a possibilidade de ascensão à presidência do candidato (George Clooney) que representa.
Tímido exercício sobre a fealdade presente na moldagem de carreiras políticas e desumanização daqueles que vivem para e dos mecanismos inerentes a campanhas eleitorais, falha na pertinência de ambos os propósitos por não conseguir criar, em todo o seu esforço de sobriedade, uma genuína atmosfera intimidatória e que, em toda a linha underacting dos actores como suposta demonstração de realidade, transforma as personagens em meras figuras de retórica.
Sem a ironia de um BULWORTH — CANDIDATO EM PERIGO (1998, Warren Beatty), nem um modelo verídico de referência que suscite reflexão sobre os tempos modernos, tal como ESCÂNDALOS DO CANDIDATO (1998, Mike Nichols) fazia, e com a ausência da visceralidade propagandista de um Oliver Stone em topo de forma, Clooney dá-se por contente em escalonar uma série de vinhetas previsíveis — ainda vivemos numa época em que a figura da "estagiária" serve de metáfora a transgressão política? — que procura ser mais solene do que na realidade é. Restam aos seguros "bonecos" de Ryan Gosling e Philip Seymour Hoffman, e um conjunto de elementos técnicos estupendos no seu minimalismo, ornamentar um título indicado para o espectador neófito em cinema político.
. UMA SEPARAÇÃO (2011), de Asghar Farhadi
Quando Simin (Leila Hatami) decide pedir-lhe o divórcio, Nader (Peyman Moaadi) contrata uma jovem mulher (Sareh Bayat) para tomar conta do seu pai doente. Desconhecendo a gravidez da nova empregada, assim como o facto de ela trabalhar sem a permissão do marido, um confronto aparentemente inócuo entre os dois desencadeará uma teia de mentiras, manipulação e acusações.
Multipremiado no último Festival de Berlim (incluindo a atribuição inédita de um Leão de Prata para o elenco), UMA SEPARAÇÃO é um retrato sofisticado e emocional do Irão moderno de contornos e apelo evidentemente universais: a burocracia dos sistemas judiciais, o papel de cada género nos seios familiar e cultural, a luta social e o legado que cada indivíduo pretende transmitir aos seus descendentes são aqui esmiuçados, da primeira à última sequência, de forma complexa mas sem nunca resvalar para o dramatismo gratuito.
O principal "golpe de génio" do filme reside na opção de Asghar Farhadi em não criar empatia entre o espectador e as personagens: UMA SEPARAÇÃO é, em parte, um courtroom drama clássico, onde as alegações e motivações de todos os envolvidos são pertinentes, e a incerteza entre facto e suposição assombra cada movimento. Pelo meio, destaca-se a visão dos acontecimentos por parte da filha de onze anos do casal protagonista, a qual revelar-se-à, no devastador e irresoluto plano final do filme, como a principal figura desta história e símbolo da vontade humana (seja ela iraniana ou mundial) das gerações futuras. Obrigatório.
domingo, dezembro 04, 2011
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Keyzer Soze's Place by Sam is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0 Unported License.
Based on a work at sozekeyser.blogspot.com.
2 comentários:
Hello Samuel.
Desta tua lista só vi ainda os Idos. E tenho uma visão diferente da tua, o que se deve justificar em parte, pelo facto de trabalhar em política... enfim, gostos à parte.
Fiquei curiosa com Rampart. Achas que o rumor Woody Harrelson nomeado a melhor actor nos próximos óscars vai concretizar-se?
E quero tanto ver A Separation.
@Sofia, a minha análise ao Idos de Março é totalmente cinematográfica e apolítica... :) Mesmo dentro do sub-género do filme político, sou da opinião que fica muito aquém.
O Woody Harrelson tem, segundo algumas apostas, boas hipóteses de nomeação. Mas a concorrência é forte.
Recomendo, e muito, o A Separation!
Bjs.
Enviar um comentário