domingo, março 25, 2012

Críticas da Semana

Breve resumo dos principais filmes visualizados esta semana:

. LE HAVRE
. HAYWIRE
. THIS MUST BE THE PLACE
. O SONHO DE CASSANDRA

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. LE HAVRE (2011), de Aki Kaurismäki



Marcel Marx (André Wilms), antigo escritor e boémio famoso, exilou-se voluntariamente na cidade portuária do Havre, onde abandonou a sua ambição literária e leva uma vida satisfatória dentro do triângulo constituído pelo bar do canto, o seu trabalho de engraxador de sapatos e a sua mulher Arletty (Kati Outinen), quando o destino põe, bruscamente no seu caminho, uma criança (Blondin Miguel) imigrada oriunda da África negra.



Para quem aprecia a visão inexpressiva mas empática do mundo de Kaurismäki, os sentimentos em relação a este seu último filme possuirão a mesma quota de satisfação e desapontamento. Se por um lado encontramos os diálogos acolhedores e personagens delicadas habituais no cineasta finlandês, por outro percebemos, desde muito cedo, que o mesmo também já se revelou mais ousado (THE MATCH FACTORY GIRL, 1990) e mais entendedor da condição humana (O HOMEM SEM PASSADO, 2002).

Explorando cabalmente os exteriores da cidade portuária onde a acção decorre, com uma sentimentalidade de fábula humana e irresistível, LE HAVRE revela-se uma obra simpática mas inconsequente na (se é que tal intenção existia) análise sobre dilemas de imigração ilegal ou sentimentos gerais da classe média da Europa Moderna. Em suma, puro Kaurismäki sem argumentos para surpreender mas impossível de desiludir.

. HAYWIRE (2011), de Steven Soderbergh



Uma agente secreta (Gina Carano) procura, a todo o custo, vingar-se dos responsáveis pela traição de que foi vítima durante uma missão.



Será difícil que os anos vindouros registem HAYWIRE como título obrigatório para a compreensão da filmografia de Steven Soderbergh. Contudo, na sua simplicidade — alguns dirão "simplista" — narrativa e exigência formal tornada simples, é possível observar uma abordagem autoral rara no cinema de acção. Será esse o único mas muito categórico legado de um filme que aposta na impressionante presença física da sua protagonista, na elaboração de sequências onde o dinamismo provém do que se move diante da objectiva (e não do frenesim arquitectado numa sala de montagem) e num adequado respeito catedrático (não existem aqui ritmos nem raccords fora do sítio...) pelas regras da mise-en-scène para esbater as distâncias entre o comercial e o iconoclasta que Soderbergh tem perfilhado em duas décadas de actividade.

As personagens acabam por sofrer de um argumento parcamente desenvolvido, impossibilitando a simpatia ou antipatia por qualquer uma delas e Gina Carano, com um pouco mais de profundidade psicológica, poderia converter-se numa figura feminina emblemática do género. Contudo, HAYWIRE já é o melhor actioner dos últimos tempos, e só por uma sequência de luta entre Carano e Michael Fassbender, que alia violência e erotismo de forma "criminalmente" eficaz, vale a pena o preço de admissão...

. THIS MUST BE THE PLACE (2011), de Paolo Sorrentino



Uma estrela rock aposentada (Sean Penn) inicia uma viagem nos EUA em busca de um oficial e ex-criminoso de guerra nazi, que aprisionou e torturou o seu pai num campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.



Através de toda a maquilhagem carregada e maneirismos extremos do seu protagonista (uma mistura de Robert Smith com Ozzy Osbourne) e para lá do virtuosismo da câmara do realizador, não custa encontrar um profundo estudo de personalidade, que transcende fantasmas pessoais e almeja reflectir estados de alma colectivos. É este o grande mérito de THIS MUST BE THE PLACE, obra que aparenta caminhar, num futuro próximo e a passos largos, para o "limbo da subvalorização" mas dominada por uma mensagem de transformação individual genuína e naturalmente emocional — característica cinematográfica tão rara nos dias que correm...

Apesar dos aspectos políticos e históricos do seu argumento, o filme "mergulha" num inspirado universo de referências pop — até David Byrne, autor da maioria dos temas que compõem a banda sonora, tem direito a um memorável cameo —, traçando um contraste entre o passado e presente de paradigmas musicais, tendências artísticas e percepção popular dos mesmos que poderia muito bem ser interpretado como uma pertinente e original análise dos nossos tempos. Destaque final para as interpretações de Sean Penn, Judd Hirsch e, sobretudo, Eve Hewson (nem mais nem menos do que a filha de Bono Vox), jovem actriz de auspicioso porvir.

. O SONHO DE CASSANDRA (2007), de Woody Allen



Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell) enfrentam graves problemas financeiros. Quando um tio afastado (Tom Wilkinson) dos dois pede-lhes um favor, em troca da resolução daquelas dificuldades, as suas vidas ficarão enredadas numa sinistra situação com intensos e infelizes resultados.



História amarga, de lento desenvolvimento e com um sentido muito Allenesco de crime, culpa e castigo (poderia muito bem pertencer a uma trilogia onde também figurassem CRIMES E ESCAPADELAS e MATCH POINT), retoma as habituais obsessões, e já autênticas marcas de autor, do cineasta nova-iorquino pelas temáticas de fidelidade, honra e peso psicológico em seio familiar.

É notório, desde os seus primeiros minutos, que não estamos perante o produto de um bom momento de forma criativa de Woody Allen. A "reciclagem" narrativa e de propósitos aqui concebida apenas confirmam a sensação de que este filme já foi por ele realizado antes, mas com melhores interpretações (McGregor e Farrell raramente conseguem ultrapassar uma performance tolhida, Wilkinson destaca-se mas surge poucas vezes), circunstâncias mais verossímeis e diálogos realmente acutilantes. De visualização agradável mas nunca obrigatória. Nem mesmo para os fãs mais acérrimos do "cânone" Woody Allen.

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