Breve resumo dos principais filmes visualizados esta semana.
A CIDADE DOS MORTOS (2009), de Sérgio Tréfaut
A Cidade dos Mortos, no Cairo, é a maior necrópole do mundo. Um milhão de pessoas vivem dentro de um cemitério que se estende por mais de dez quilómetros ao longo de uma auto-estrada. Contudo, não deixa de ser uma aldeia, com mães à caça de um bom partido para as filhas, rapazes a correr atrás das raparigas, disputas entre vizinhos.
Não é difícil apelidar o registo filmado do quotidiano de uma "cidade" que se formou no interior de uma necrópole do Cairo como irresistível. O realizador não esconde o seu fascínio por este microcosmos, mas permanece a impressão de existir ainda muito por contar e descobrir acerca desta peculiar localidade numa metragem (60 minutos) que se revela muito breve. Apesar do seu défice de contextualização e detalhe, encoraja-se visualização.
COMANDANTE (2003), de Oliver Stone
Documentário político em que o realizador norte-americano entrevista Fidel Castro sobre uma gama variada de temas: memórias históricas, geopolítica, a intimidade do estadista e o próprio sentido da vida.
Stone faz um excelente trabalho na desmistificação de Castro, contudo revela-se facilmente ludibriado pelo entrevistado quando os diálogos abordam os temas mais sensíveis (direitos humanos, repressão policial e política, etc.) da Revolução Cubana. Política e História à parte, o contraste entre as palavras do líder e imagens de arquivo retoma a pujança da montagem dinâmica e intelectualmente provocadora que o cineasta exibira em JFK (1991) e da qual, na minha opinião, nunca se deveria ter afastado.
FREAKONOMICS (2010), de Seth Gordon
Baseado no best-seller de Steven Levitt e Stephen Dubner, este documentário é composto por uma série de vinhetas, assinadas por diferentes realizadores (incluindo Morgan Spurlock e Alex Gibney), que ilustram capítulos do livro sobre temas tão diversos como a influência que o primeiro nome exerce no sucesso ou fracasso de um indivíduo ou se é possível subornar um estudante de forma a que este atinja desempenho escolar positivo.
Se a decisão de filmar os segmentos mais interessantes do livro revela-se acertada, o facto de as curtas afastarem-se do campo da Economia — que é, sem dúvida, o cerne das investigações levadas a cabo por Levitt e Dubner — para "introspecções" sobre (i)moralidade social afastam o espectador de importantes reflexões, tais como ausência de informação ou tácticas agressivas de manipulação que conduzem ao consumo irracional contemporâneo. Desta feita, e contrariamente ao que advogo, recomendo a obra literária e depois o filme... caso não exista algo melhor "à mão" para ver.
O MÁGICO (2010), de Sylvain Chomet
Quando a arte do ilusionismo dava os últimos passos, um mágico entertainer, afastado dos palcos da cidade, vê-se obrigado a apresentar o seu espectáculo num pub da costa ocidental escocesa, onde encontra Alice, uma jovem inocente, que mudará para sempre a sua vida.
Ao adaptar um argumento nunca produzido de Jacques Tati, Chomet recupera a (apropriada) magia que só a animação tradicional, assente mais em gestos e situações do que em diálogos, consegue proporcionar. Pleno de mensagens de amor paternal, surpreendentemente realista e melancólico como a vida, apresenta um interessante subplot dedicado às amarguras de quem procura na arte e entretenimento incondicionais um meio de subsistência. Mesmo que se tenha em mente a pequena controvérsia em torno da reinvenção da história escrita por Tati, é complicado ficar de coração empedernido quando O MÁGICO termina.
SERBIS (2008), de Brillante Mendoza
Uma família filipina, residente num velho cinema de província que passa filmes pornográficos, lida com os seus dilemas pessoais. Entretanto, o público que frequenta a sala encontra na penumbra de um cinema a atmosfera ideal para uma variedade de "serviços" sexuais entre prostitutos e clientes.
O cinema de Mendoza não é, definitivamente, para "meninos": rude, obsceno, raramente gentil e de intenções pouco transparentes, a história é simplesmente apresentada e não narrada por mecanismos narrativos consensuais. Para o cineasta, aquele cinema pornográfico parece funcionar como metáfora para um mundo em ruínas, onde prazeres mundanos e crenças particulares não camuflam as misérias e descontentamentos da existência humana. Filme tão incomodativo como de qualidade.
domingo, maio 08, 2011
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4 comentários:
Só vi o Ilusionista dos que referes, e de facto é uma peça única, muito bem escrita, idealizada e transposta para o grande ecrã. As sensações e as emoções passam com uma força assinalável e eficaz. Só aponto algum desequilibrio narrativo, talvez exagere um pouco.
Ainda assim uma grande animação.
abraço
De todos, só vi a cidade dos mortos, tanto o filme como a coisa real.
E penso que lhe falta alguma contextualização social e cultural. Será meu defeito profissional, porventura, mas o facto é que para as famílias egípcias ocupar um espaço de intimidade com os mortos não é nada de novo, costumam passar lá um dia, pelo menos anualmente.
E, na 2ªmaior cidade de África, com a falta de habitação (mais isso que propriamente pobreza pura e dura naquele caso), não é de surpreender que usem (respeitosamente, aliás) aquele espaço.
Mas, enfim, está longe de ser um mau filme.
@Jorge, quando dizes "desequilíbrio narrativo", referes-te concretamente a que aspecto(s)?
@Tiago, de facto, a ausência de uma maior pormenorização/contextualização é a única falha desse filme.
Cumps cinéfilos!
Desequilíbrio talvez não seja a palavra mais correcta, o que queria dizer é que o filme peca por escasso desenvolvimento da premissa inicial. Isto é, senti que a dada altura a narrativa perde o gás e repete-se, enfatizando o que se evidenciou nos primeiros minutos, sem nunca acrescentar muito mais.
Nesse sentido, penso que funcionaria muito melhor como uma curta. Ainda assim é um belíssimo filme e tomara que muitos aprendessem com Sylvain Chomet como fazer uma animação, sobretudo ao nível visual.
abraço
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