quinta-feira, dezembro 01, 2011

#31



... segundo as palavras do Pedro Afonso, do blog Laxante Cultural:

Uma pequena introdução para explicar o critério de selecção destes filmes. Para mim, a criação de uma lista deste tipo serve apenas para definir o autor da escolha. Não são necessariamente os melhores filmes que eu já vi, mas são aqueles que mais me marcaram, por uma razão ou outra, no meu crescimento enquanto amante de cinema e posteriormente cinéfilo. Provavelmente estão aqui estes apenas porque os vi na altura certa, mas isso não invalida o facto de ser uma lista que acaba por definir a minha identidade enquanto cinéfilo, e, porque não, enquanto ser humano. Todos (excepto o último, já vão perceber porquê) são filmes a que volto de vez em quando, quanto mais não seja para reviver os momentos de descoberta de aspectos do cinema que todos eles me proporcionaram. Eis a lista...

1. REBECCA
(1940, Rebecca, Alfred Hitchcock)



Este filme (a par com CASSANDRA CROSSING de George P. Cosmatos, 1976) é a memória mais antiga que eu tenho de um momento em que um filme foi para mim a coisa mais importante do mundo. Saber como acabava, era tão urgente para mim como o ar que respirava, devorando cada cena do filme como uma pista, sentado na ponta da cadeira e deixando-me aprisionar pelo suspense. Deveria ter entre os 7 e os 9 anos quando os vi, nas sessões de cinema da RTP Açores, e nunca mais me esqueci das sensações que me despertaram. Está aqui este, porque dos dois é aquele que revi muitas vezes ao longo dos anos, descobrindo sempre novos pormenores que fundamentavam aquelas sensações. Quanto ao outro, hei-de voltar a ele um dia.

2. VEIO DO OUTRO MUNDO
(1982, The Thing, John Carpenter)



Foi o filme que (a par com AN AMERICAN WEREWOLF IN LONDON de John Landis, 1981) complementou aquelas sensações com outra ainda mais profunda: o medo. Foram ambos vistos poucos anos mais tarde nas mesmas circunstâncias, mas recordo como se fosse hoje o desafio de não querer perder nenhum segundo, lutando contra mim próprio para não desviar os olhos da televisão. Esse desafio, de me testar a ver cinema, é uma das bases da minha paixão por esta arte. Com o passar dos anos, o filme do Carpenter foi ganhando mais importância (principalmente com o aparecimento da versão de coleccionador em DVD, cujo making of é um dos melhores de sempre) por me aprofundar o interesse pelos aspectos técnicos por trás de um filme.

3. CASABLANCA
(1942, Casablanca, Michael Curtiz)



Não me lembro exactamente de quando o vi, mas este é um filme a que volto inúmeras vezes e que não perdeu a frescura da primeira. É um dos filmes que me definiu como um romântico, e cujo desfecho me despertou para o sacrifício que o amor implica. Além disso, é um filme perfeito em todos os aspectos, o que me dá um prazer enorme quando a ele volto.

4. A MOSCA
(1986, The Fly, David Cronenberg)



Foi o filme que me abriu os olhos para o conceito de autor. Vi-o no cinema com 13 ou 14 anos (nesta altura os filmes demoravam algum tempo a chegar a Angra do Heroísmo), e fez-me muita confusão ver um filme de terror que, mais do que me assustar, me inquietou. Querer perceber porque é que este era um filme de terror diferente de todos os que já tinha visto, foi o ponto de partida para uma viagem de descoberta que só acabará quando morrer. Além disso é uma estória de amor bizarra, em que o amor dá lugar à loucura. É sem dúvida o mais importante dos filmes desta lista para mim, e constará certamente de todas as listas que eu possa vir a fazer.

5. ASSALTO AO ARRANHA-CÉUS
(1988, Die Hard, John McTierman)



Só quem viu este filme no cinema, na altura da sua estreia, pode perceber a sua importância. Sendo um profundo conhecedor do cinema de acção da altura (de todos os Rambos e Comandos e afins), não estava preparado para a pedrada no charco que foi o ASSALTO AO ARRANHA-CÉUS. A cena da morte do Takagi abalou todos aqueles que procuravam divertimento num filme de acção e fez com que, no género, deixasse de haver personagens a salvo. Mais do que isso, este filme é perfeito em todos os aspectos, do argumento à realização, passando pelas interpretações ou pelos efeitos especiais. É um prazer absoluto e é um dos poucos filmes que comprei em todos os formatos (Vhs, DVD e Blu-ray) de cinema em casa por que já passou a minha vida de cinéfilo.

6. PSICO
(1960, Psycho, Alfred Hitchcock)



Outro filme que tenho em todos os formatos (em Vhs cheguei a comprar três edições diferentes). É, para mim, o mais perfeito dos filmes. Desde a concepção e as histórias de bastidores, às opções tomadas por Hitchcock no sentido de provocar reacções no espectador e que, passados mais 50 anos, continuam a resultar em cheio. É o poder da manipulação através da arte no seu estado mais puro, sem facilitismos e com enorme personalidade. Tudo no filme resulta e é brilhantemente executado, desde os facilmente reconhecíveis acordes musicais às imagens icónicas inesquecíveis.

7. MORRER EM LAS VEGAS
(1995, Leaving Las Vegas, Mike Figgis)



A par com LES NUITS FAUVRES (Cyril Collard, 1992), são histórias de amor reais e trágicas que têm como pano de fundo o desejo de auto destruição de uma das personagens principais. Mas se no filme de Collard esse desejo apenas precipitava uma inevitabilidade, no de Figgis nunca nos é dada uma razão válida que nos permita aceitá-lo. É a outra face da moeda para o sacrifício final de CASABLANCA, e um segundo despertar para a fatalidade que o amor encerra. Além disso, estes dois filmes são muito carnais e, talvez por isso, vertiginosos nas emoções.

8. SETE PECADOS MORTAIS
(1995, Se7en, David Fincher)



Um dos filmes mais maquiavélicos alguma vez escritos. O argumento de Andrew Kevin Walker, apesar de ser um dos mais inteligentes thrillers já filmados, não poupa ninguém. Todo o desenrolar da narrativa não nos prepara para um desfecho que, de tão horrendo, dificilmente esquecemos. O ritmo imposto por Fincher é milimetricamente perfeito (como sempre) e não há uma única falha a apontar na sua concepção e execução. É um daqueles filmes que me faz sentir muito pequenino enquanto artista em potência, e a que volto muitas vezes a ver se aprendo alguma coisa.

9. SACANAS SEM LEI
(2009, Inglorious Basterds, Quentin Tarantino)



Além de ser outro filme que eu considero perfeito, há um factor que faz com que apareça nesta lista: a irreverência e atrevimento com que, mesmo que apenas através da arte, seja colocada alguma justiça na história. Tarantino é provavelmente o meu realizador vivo predilecto, mas aqui excedeu todas as expectativas. Além do mais, apesar de ser um filme mosaico (muito ao seu estilo), no sentido de reunião de referências e de conciliação de diferentes estórias, nunca perde o seu objectivo e atrai-nos para um clímax que nunca suspeitámos ser possível. No fundo, naquele momento, numa sala de cinema, somos abruptamente atirados da realidade para a ficção enquanto Tarantino nos diz que quem manda aqui é ele. É preciso ter tomates.

10. CINEMA PARAÍSO
(1988, Nuovo Cinema Paradiso, Giuseppe Tornatore)



Este é um filme que entra na lista dos 10 filmes da minha vida de uma forma peculiar. Não é um dos filmes que mais gosto (pelo menos para estar nos 10 primeiros), nem um dos que me influenciou enquanto cinéfilo. NUOVO CINEMA PARADISO está aqui porque é esta a minha história, sem tirar nem pôr. Toda a minha infância, juventude e adolescência foi passada num cinema, o Fanfarra Operária Gago Coutinho e Sacadura Cabral em Angra do Heroísmo, que o meu pai geria. Foi ele o meu Alfredo e o grande responsável pela minha paixão pelo cinema. Conheci todos aqueles personagens, com outros nomes e rostos, mas com as mesmas atitudes e comportamentos. Também eu recolhia e guardava pedaços de película espalhados pelo chão da sala de montagem. Também eu fugia para a sala de projecção tentando perceber como toda aquela magia funcionava. A dada altura, até por lá passou um projeccionista chamado Salvador, como na fase adolescente do protagonista. E tal como no filme, tudo isto teve um final pouco feliz. Há pouco mais de um ano, também eu voltei a Angra para o funeral do meu Alfredo, e também fui espreitar a Fanfarra. Aquela sala, da qual guardo as mais gratas e inesquecíveis memórias, está hoje a céu aberto depois de um incêndio que a consumiu há alguns anos. Resta a parte da frente do edifício e a parte traseira, do palco. Aquela sala à moda antiga, com plateia e balcão e imenso ar para respirar, onde me formei como cinéfilo e ser humano, existe apenas nas minhas gratas memórias. A paixão, essa ficou. E já de cá não sai.

--//--

Obrigado, Pedro, pela tua participação!

5 comentários:

Roberto Simões disse...

Gostei muito desta lista. As explicações tornam-na bastante sentida e pessoal. Curiosa, a última escolha e justificação. A tua vida dá um filme que já foi feito! Nem todos se podem gabar do mesmo :)

Roberto Simões
» CINEROAD «

Catarina Norte disse...

Gosto bastante desta lista, principalmente por se notar um cunho muito pessoal...e daí me rever no teu texto introdutório...
Muitos ainda estão em lista de espera mas, dos que vi, identifico-me com o Sacanas Sem Lei, Casablanca e Setes Pecados Mortais! A justificação para o Cinema Paraíso é simplesmente enternecedora...e,acrescento, de momento "invejo-te" por teres uma ligação tão privilegiada com um filme ;)

O Narrador Subjectivo disse...

Óptima lista o texto sobre o Cinema Paraíso é incrível! É como diz o Roberto Simões, a tua vida dava um filme que já foi feito xD Muito bom. Cumprimentos!

http://onarradorsubjectivo.blogspot.com/

Pedro Afonso disse...

Obrigado a todos pelos comentários. Relativamente ao Cinema Paraíso, se por um lado é interessante ter este tipo de relação com um filme, por outro gostaria de ter podido escolher um menos triste ou melodramático (apesar de ser um filme excelente). Pensado bem, se pudesse escolher ainda acabava num filme porno, portanto se calhar é melhor assim...
Mais uma vez, obrigado ao Keyser pela oportunidade.

ArmPauloFerreira disse...

Mais uma boa lista, pluralista, onde TODOS os filmes sao bons e impera verdadeiro bom-gosto.
Um destaque especialmente ao "Rebecca" pois confirmo que quando o vi também fiquei nesse mesmo estado de curiosidade em descobrir a "verdade" que suscita esta história fantástica.
Well done, Pedro Afonso!

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