
A "morte do Cinema tal como o conhecemos" transformou-se, ao longo das últimas duas décadas, na frase determinante em torno de uma franja considerável da análise cultural e económica da Sétima Arte. Desde os debates promovidos por Susan Sontag sobre o assunto, passando pela crescente diminuição de espectadores nas salas de cinema até à afirmação da produção Hollywoodesca como responsável (ou não) pela deterioração da qualidade cinematográfica contemporânea, os argumentos prendem-se, maioritariamente, em dois aspectos: narrativa e progresso tecnológico.
No que diz respeito à narrativa, e numa recapitulação breve e cautelosa, é possível afirmar que nunca deixou de existir criatividade e profundidade, dentro e fora de Hollywood, nos guiões das obras geradas no período compreendido entre 2001 e 2010. A busca por novas fronteiras de storytelling, assim como da sua subversão ou de uma postura arraigada aos mecanismos clássicos do "contar uma história", estiveram constantemente presentes no grande ecrã — um sinal da existência contínua de inquietação criadora mainstream e autoral.
Tecnologicamente, a última década assinalou não só o estabelecimento da imagética concebida por computador (normalmente apelidada de CGI), como também o progressivo abandono da película — o formato no qual o Cinema foi produzido e distribuído durante o seu primeiro século de vida — por meios digitais de filmagem e projecção. E tornou-se demasiado evidente que é, de facto, este duplo "dilema digital"* que se assume como um dos pontos fulcrais de qualquer retrospectiva dedicada aos filmes dos anos 2000.
Ponto assente, a tecnologia digital alterou radicalmente os métodos de produção de Cinema, deixando de ficar cingida à sua mera utilização de efeitos especiais, concebendo novas abordagens estéticas (incluindo as assumidas por parte dos "irredutíveis" da película) e, de Godard a David Fincher, nenhum cineasta lhe foi indiferente. Além disso, o reflexo deste paradigma nas estruturas narrativas e temáticas, durante a década passada, também não se deixou de sentir, pois assistiu-se, e como em nenhum outro momento da História da Humanidade enquanto detentora da capacidade de registar imagens em movimento, ao alargamento destes novos recursos técnicos a praticamente todos os géneros cinematográficos.
Esta e outras influências estarão inevitavelmente perspassadas na presente iniciativa, O Cinema dos Anos 2000. Almejando caracterizar dez anos de variedade temática e geográfica da Sétima Arte, em todas as suas vertentes — do drama à comédia, do terror ao romance, do documentário à animação — e numa dinâmica de "um realizador, um filme" (existem inevitáveis excepções, como são os casos de Spielberg, Godard ou Gus Van Sant), resumir-se-à a década em cerca de 245 filmes.
Nos próximos meses, serão publicadas, neste espaço, as opiniões redigidas por vários bloggers convidados sobre os títulos seleccionados para caracterizar o Cinema da última década, permitindo "recriar", igualmente, a revolução que a figura do blog de cinema representou para a percepção da produção fílmica que nos chegou entre 2001 e 2010.
Esta iniciativa só ficará completa e incisiva com os vossos comentários e reacções. Contamos convosco!
* "O Dilema Digital" é, igualmente, o título de um relatório elaborado pela Cinemateca Brasileira sobre os desafios da preservação do Cinema em suportes digitais, cuja leitura recomenda-se.