sexta-feira, novembro 06, 2009

5 Momentos Memoráveis

#6: JOGOS DE LUZ E COR



Uma imagem de Orson Welles compondo uma cena de CITIZEN KANE — O MUNDO A SEUS PÉS através de um viewfinder "baptiza" este post dedicado aos directores de fotografia, cujo trabalho passa, muitas vezes, despercebido ao espectador. Afinal de contas, são os responsáveis pelo visual de um filme, escolhendo os tipos de película, lentes e iluminação que elevam a Sétima Arte para qualquer coisa de única e especial.

Nas cinco escolhas abaixo enumeradas, juntamente com a menção honrosa do costume, não me alonguei na descrição de aspectos técnicos (embora muito houvesse a falar sobre este item) nem privilegiei a era do preto e branco (não obstante apreciar imenso o estilo do Expressionismo Alemão ou os surreais contrastes que Federico Fellini e Roberto Rossellini empregaram). Os filmes destacados sobressaem pelo refinado trabalho de luz e cor que ostentam, a destreza técnica que exigiram e, nessa contemporaneidade, uma demonstração da homenagem que o Cinema presta ao seu próprio passado.

Sem mais delongas, partilho convosco seis bons exemplos de magnífica direcção de fotografia.

Menção Honrosa: LONGE DO PARAÍSO (2002), de Todd Haynes



É, nos últimos anos, o exemplo supremo da homenagem a um estilo, mais concretamente ao de Douglas Sirk, um dos principais autores de melodramas dos anos 50 (O QUE O CÉU PERMITE ou ESCRITO NO VENTO).

O realizador Todd Haynes recria a paleta de cores utilizada por Sirk nos seus filmes (que "personificavam" os locais e estados de espírito subjacentes ao ambiente da cena), assim como os ângulos de câmara e planos característicos da época. Também se recorreu aos mesmos equipamentos de iluminação e filtros oculares que estavam em voga na década de 50. Tudo em prol da primorosa fotografia de LONGE DO PARAÍSO que o trailer, abaixo apresentado, demonstra.



5. JFK (1991), de Oliver Stone



No que bem se poderia apelidar de "filme-tese", Oliver Stone explorou, ao máximo, todas as possibilidades ao seu dispor para explanar a sua visão do assassinato de John F. Kennedy, sobretudo através da direcção de fotografia, orquestrada por um dos principais nomes do ramo, Robert Richardson (um habitual colaborador de Quentin Tarantino).

Nesta longa sequência, em que o Promotor Público Jim Garrison (Kevin Costner) especula desenfreadamente sobre o que realmente aconteceu em Dallas a 22 de Novembro de 1963, somos brindados com todo o género de técnica e equipamento cinematográfico existente: sequências filmadas de ângulos diferentes, alternância entre o sépia das cenas no tribunal com o rígido preto e branco de flashbacks encenados, constantes zooms in e out... Em suma, uma miríade de recursos fílmicos que "assaltam" os sentidos (e poder de julgamento) do espectador.



4. O ASSASSÍNIO DE JESSE JAMES PELO COBARDE ROBERT FORD (2007), de Andrew Dominik



Roger Deakins foi injustamente privado do Óscar de Melhor Fotografia por O ASSASSÍNIO DE JESSE JAMES PELO COBARDE ROBERT FORD, uma das concepções visuais mais estonteantes e revolucionárias da presente década. E a sua cena mais memorável será, sem dúvida, esta recriação do assalto nocturno a um comboio perpetrado pelo bando do infame Jesse James.

Filmar uma cena com pouca iluminação é das tarefas mais complexas em termos de cinematografia, e Deakins consegue imprimir uma atmosfera opressiva e surreal recorrendo, apenas, à luz de lanternas de óleo e do ténue farol do comboio. Na memória cinéfila colectiva, ficam as inesquecíveis imagens de um grupo de bandidos, escondido entre os bosques, que se assemelham a fantasmas e a confiança de Jesse James/Brad Pitt a caminhar por entre o vapor da locomotiva.



3. O CONFORMISTA (1970), de Bernardo Bertolucci



Bertolucci e o seu director de fotografia Vittorio Storaro (que demonstrou "faculdades" em títulos como APOCALYPSE NOW, O ÚLTIMO IMPERADOR ou DICK TRACY) engendraram uma obra-prima visual em O CONFORMISTA, com um dos melhores usos de luz e sombra registados em Cinema. Parafraseando alguns autores, a sua fotografia é poderosa, vistosa e ressonante, servindo ideais ou propósitos específicos, reflectindo as acções da história e das personagens.

A sequência que abaixo publico, com as personagens envoltas pelo movimento da luz que atravessa as persianas da casa, tem sido abundantemente copiada e homenageada, extravasando culturas e géneros cinematográficos (eis um ou outro exemplo disso) e tornou-se, implicitamente, num ícone visual do Século XX.



2. DIAS DO PARAÍSO (1978), de Terrence Malick



Terrence Malick sempre insistiu em querer contar histórias através das imagens do filme. Toda a sua (escassa) carreira foi dominada por esse intuito, na qual se destacam A BARREIRA INVISÍVEL e O NOVO MUNDO, dois títulos que exibem um inusitado cuidado em termos de mise-en-scène.

E essa filosofia foi levada ao extremo em DIAS DO PARAÍSO. Rodado na sua quase totalidade durante a (nas palavras de Nestor Almendros, o seu director de fotografia) "hora mágica", isto é, ao nascer do sol ou no crepúsculo do dia, o "hipnotismo" das suas imagens torna-se ainda mais surpreendente pelo facto de que, à altura, Almendros estava a perder acuidade visual. Impressiona, assim, que apesar da sua enfermidade o espanhol era capaz de transmitir romantismo e beleza ao quotidiano de uma comunidade agrícola norte-americana em 1916.



1. BARRY LYNDON (1975), de Stanley Kubrick



Reconhecido unanimemente como um dos filmes mais belos alguma vez concebidos, BARRY LYNDON é um autêntico opus à arte da cinematografia, merecendo, por isso, o primeiro lugar desta lista. Na sua obsessiva busca pela perfeição a todos os níveis, Kubrick narra a ascensão e queda de Redmond Barry Lyndon recriando os ambientes nocturnos do Séc. XVIII, iluminando quase todas as suas cenas sem iluminação artificial e, numa particular sequência do excerto destacado, recorrendo apenas à luz das velas.

Para alcançar este complexo efeito — note-se que, à época, a utilização de película obrigava a abundante claridade de sets para fixar imagens —, Kubrick não se coibiu em modificar a fisionomia das câmaras de filmar e acoplar-lhes lentes usadas pela NASA para a captação de imagens no espaço. O resultado deste arrojo técnico está perfeitamente à vista...



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