Breve resumo dos principais filmes visualizados esta semana:
. SLEEPING BEAUTY
. O ATALHO
. MYSTERIOUS SKIN
. GEORGE HARRISON: LIVING IN THE MATERIAL WORLD
. FEAR X — O MEDO
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. SLEEPING BEAUTY (2011), de Julia Leigh
Uma jovem estudante (Emily Browning) necessitada de dinheiro multiplica biscates e trabalhos em part-time. Em resposta a um anúncio, integra uma rede estranha de belas adormecidas. Adormece. Acorda. E tem a sensação que não se passou nada...
Se um exercício cinematográfico em estranheza for sinónimo de qualidade, então esta primeira obra de Julia Leigh revela-se irresistível na sua frieza estética e unidimensionalidade de personagens. SLEEPING BEAUTY move-se em torno de uma protagonista disposta a tudo (as sequências iniciais, aparentemente inócuas, expressam essa característica de modo flagrante) e sem grandes preocupações com o que lhe acontece ou lhe é feito quando serve de objecto comatoso de prazer para frustrados e viciosos homens de meia-idade.
Para o espectador, o desconforto e a inquietação não advêm apenas de ser testemunha, um fortuito voyeur, de uma inusitada forma de prostituição. O filme "incomoda" pela potencial falta de moralidade ou manifesto de opressão da sexualidade feminina que ostenta, liderado por uma Emily Browning irrepreensível (num autêntico 'sucker punch' performativo, permitam-me o trocadilho...) e contenção formal ameaçadora de alguma "explosão" que nunca sucede. Enigmático, sensual e, em última instância, arrebatador.
. O ATALHO (2010), de Kelly Reichardt
1845, Oregon. Uma caravana composta por três famílias contrata Stephen Meek (Bruce Greenwood), um explorador, para guiá-los através do deserto. Quando se perdem num caminho não assinalado, os emigrantes terão de enfrentar fome, sede, desesperança e a presença de um nativo-americano (Rod Rondeaux) que tanto poderá encaminhá-los no rumo certo ou em direcção a um destino fatal.
O drama sobre o pioneirismo norte-americano, em pleno Século XIX, está aqui bem presente, mas não é nesse detalhe que O ATALHO se agiganta. Aqui, a nossa atenção deve focar-se neste magnífico atestado de que som e imagem são definitivamente mais importantes que mil palavras ou exímias legendagens, a atmosfera supera quaisquer golpes elementares ou gratuitos de emoção e a intemporalidade de um filme rege-se pela sua aptidão em cativar o espectador sem profundas moralidades.
Entre o road movie e a história de sobrevivência, Reichardt (se WENDY & LUCY já a tinha colocado no mapa, agora é impossível não prestar atenção ao seu futuro) aposta no minimalismo técnico e na rotina quotidiana deste reduzido grupo de personagens para formular o que alguns apelidaram — e, diga-se, com razão — de anti-western, filmado à "moda antiga" (em formato 1.33, ou seja, o enquadramento de tela maioritariamente usado no cinema produzido até 1950), que até pode suscitar interpretações alegóricas mas pretende mostrar-se como experiência sensorial única do princípio ao fim. Muito recomendado.
. MYSTERIOUS SKIN (2004), de Gregg Araki
Os caminhos de um jovem prostituto (Joseph Gordon-Levitt) e de um adolescente (Brady Corbet) que acredita ter sido raptado por extraterrestres em criança cruzam-se, e ambos descobrem um horrível mas esclarecedor passado em comum.
Há que aplaudir a vontade de Gregg Araki abordar, corajosa e respeitosamente, as consequências do abuso sexual de crianças. Adaptando um romance de Scott Heim, num registo tipicamente indie e evitando o exploitation, MYSTERIOUS SKIN equilibra bem realismo com elementos fantásticos e apresenta dois convincentes protagonistas para ilustrar os traumas do tema principal do filme, assim como as diversas maneiras de os enfrentar. Nesse campo, as eficazes interpretações de Joseph Gordon-Levitt, Brady Corbet e Mary Lynn Rajskub (num pequeno mas inesquecível papel) são contributo indispensável.
Todavia, para um argumento que se expõe, desde o início, enigmático em alguns aspectos (sobretudo, os pesadelos que atormentam Brian durante anos), o filme acaba por revelar-se pouco... mysterious, e a previsibilidade da sua última meia hora faz com que o encaremos apenas como mais um drama sobre sexualidade infantil sem um ângulo propriamente inaudito acerca do assunto. Cinema destemido, sem dúvida, mas pouco paradigmático.
. GEORGE HARRISON: LIVING IN THE MATERIAL WORLD (2011), de Martin Scorsese
Amigos (Eric Clapton, Eric Idle), família (as esposas Patti Boyd e Olivia Harrison) e colegas musicais (Paul McCartney e Ringo Starr) reflectem sobre a vida, música, misticismo e carisma de George Harrison.
Mais do que um filme sobre George Harrison, este é o relato sobre o mundo que envolveu, influenciou e foi influenciado por aquele a quem chamaram de quiet Beatle. E Scorsese, depois dos The Band, dos Rolling Stones e de Bob Dylan, demonstra ser um fantástico documentarista musical, capaz de conferir múltiplos significados a uma singela fotografia doméstica, a uma bobine de filme em 16mm ou a uma breve entrevista, datada dos anos 60 e concedida a um obscuro meio de comunicação social.
Dividido em duas partes (logicamente, pelas fases pré e pós-Beatles), soma uns impressionantes céleres 208 minutos de duração e, no fim, o espectador poderá ficar com a impressão de um "soube-me a pouco". Quem alimentar no seu espírito uma "grama" de nostalgia, não conseguirá deixar de ficar rendido por este documentário e pelas facetas de Harrison: guitarrista, compositor, produtor cinematográfico, místico e profundamente humano.
. FEAR X — O MEDO (2003), de Nicolas Winding Refn
Quando a sua esposa é assassinada no que parece ter sido um homicídio acidental, Harry (John Turturro), movido por misteriosas visões, empreende uma viagem para descobrir as verdadeiras razões do acontecimento que transformou a sua vida.
Nicolas Winding Refn continua a angariar positiva admiração por estes lados, mesmo quando se está perante um dos seus filmes menores. E FEAR X tem, indiscutivelmente, imensos pontos fracos, sobretudo no seu argumento, pejado de escandalosos plot holes e gratuitos becos sem saída. Mas é, também, um thriller policial que se distancia de outros títulos semelhantes pela extraordinária e aprimorada atmosfera, criada a partir de sombras, cores e sons, que deixa o espectador sempre atrás dos acontecimentos, mesmo quando estes são totalmente descortinados.
Pode-se invocar, com legitimidade, que a sua "intoxicação" visual e sonora apenas serve de camuflagem à insuficiência narrativa do filme. Mas estamos perante um vincado filme de autor — todas as imagens de marca de Refn estão aqui patentes, e o dinamarquês ainda não tinha o reconhecimento de que hoje usufrui —, que homenageia Kubrick e Lynch sem pudor e revela um realizador com visão única no panorama cinematográfico contemporâneo.
domingo, outubro 23, 2011
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2 comentários:
Estão aqui alguns filmes que eu quero muito ver, como o Fear X (aliás, todos do Refn, que me parece muito bom mas de quem nunca vi nada) e o Meek's Cutoff.
http://onarradorsubjectivo.blogspot.com/
@Narrador, recomendo-os vivamente!
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