É delicioso quando a fantasia ganha uma subtileza que nos faz acreditar nela como uma realidade possível. O GRANDE PEIXE — baseado na obra Big Fish: A Novel of Mythic Proportions, de Daniel Wallace, o próprio com uma pequena participação no filme — deixa-nos com esta sensação, e faz-nos ir muito mais além, sem questionar nada do que nos é contado, num dos títulos menos góticos ou extravagantes de Tim Burton, mas, ainda assim, recheado da sua personalidade enquanto realizador.
Ed Bloom (Ewan McGregor/Albert Finney) é um homem de imaginação delirante, um contador de histórias incapaz de as distinguir da realidade. A relação com o seu filho Will, de quem vive afastado há vários anos, não é a melhor. Quando a saúde de Ed fica debilitada, Will é aconselhado pela mãe tentar reaproximar-se do pai, e aí vai experimentar a necessidade de identificar, nas histórias que ouve, a distância entre o que foi realmente a sua vida e o que lhe acrescenta a sua imaginação.
As emocionantes interpretação de Ewan McGregor — o jovem Ed — e de Albert Finney — o Ed idoso — fazem-nos mergulhar na imaginação, e mostram-nos como é fundamental acreditar nela, para que a realidade possa ser menos dura.
À cor, fantasia e paixão, juntam-se um simpático gigante, um circo, uma floresta obscura e cheia de segredos, um poeta muito peculiar, duas irmãs gémeas, e muitas histórias para contar. Resta-nos deixar que Ed nos guie pelas suas aventuras, e cabe-nos a nós, no fim, construir a sua verdadeira história — ou, por que não, aceitarmos a vida que Ed criou. E é essa a lição que ele nos ensina (à plateia e ao seu próprio filho): o destino, seja qual for, é decido por nós.
Elenco
. Albert Finney (Edward Bloom idoso), Ewan McGregor (Edward jovem), Jessica Lange (Sandra K. Bloom idosa), Alison Lohman (Sandra jovem), Billy Crudup (William 'Will' Bloom), Marion Cotillard (Joséphine Bloom), Helena Bonham Carter (Jennifer Hill / Bruxa), Robert Guillaume (Dr. Bennett), Matthew McGrory (Karl, o Gigante), Danny DeVito (Amos Calloway)
A propósito da estreia, esta semana em Portugal, de SOMBRAS DA ESCURIDÃO, o Keyzer Soze arrisca o exercício de desconstrução da carreira de Tim Burton em cinco sequências, acompanhadas da sempre obrigatória menção honrosa, para exemplificar a natureza do cinema de um dos autores que, centrado em mundos fantásticos, personagens excêntricas e na vincada dicotomia mundano versus irreal, perfilou uma das obras mais icónicas das últimas três décadas.
Ao adaptar um conto de Washington Irving, um dos mais conhecidos e estudados na cultura anglo-saxónica, Burton desenvolveu aquele que terá sido o seu maior pico de forma narrativa e visual, revelando-se este filme como obrigatório para fãs do universo do realizador.
A narração minuciosa das origens e destino do cavaleiro mencionado no título transporta-nos ao passado através da curiosa analogia visual entre as labaredas de uma lareira e o fogo que consome a floresta da batalha, de onde emerge, apropriadamente demoníaco, Christopher Walken num dos papéis mais radicais da sua carreira.
É quase impossível enumerar todas as influências (film noir, estética gótica, humor negro, expressionismo alemão, a própria banda desenhada criada por Bob Kane) que Burton emprestou à sua visão do vingador solitário de Gotham City. Mas mais impressionante que a escolha de Michael Keaton para encarnar Batman, foi observar Jack Nicholson na pele do Joker.
Mais cartoonesco do que se poderia imaginar para um filme em imagem real, mas absolutamente plausível no seio de um universo oriundo de banda desenhada, Nicholson alia a maquilhagem do palhaço, o "charme" do gangster, uma gargalhada cavernosa e algumas partidas de mau gosto para conceber este tenebroso e hilariante resultado final.
O romance no cinema de Tim Burton foge, completamente e pelos seus atributos estéticos, aos padrões de Hollywood. EDUARDO MÃOS-DE-TESOURA (1990) demonstrou-o bem — a história de um ser humano fabricado e, pela morte do seu criador, incompleto mas capaz de encontrar amor genuíno.
No seio desse desígnio, estão as constantes fantasia e ironia burtonescas, que infundem quotidianos reconhecíveis de elementos surpreendentemente oníricos. E, a julgar por esta surpreendente e peculiar definição de "amor à primeira vista", o mesmo se adapta aos mais puros sentimentos românticos.
No seu filme menos "fantasioso", Burton também aposta no ocasional momento de imaginário. Neste que é o único biopic da sua carreira, nostalgicamente rodado a preto e branco, reclama-se uma série de ideais cinematográficos (paixão, inocência, o cinema pelo cinema) difíceis de descobrir nos nossos dias.
Esses méritos são personificados pela encenação do encontro fortuito (do qual não existem quaisquer registos de que alguma vez tenha ocorrido) entre Orson Welles e Ed Wood — respectivamente, e segundo os historiadores, o melhor e o pior cineasta de todos os tempos. Se a qualidade do cinema produzido por ambos era completamente díspar, esta sequência almeja sugerir uma partilha de aspirações artísticas. E em vez de Welles ou Wood, essa vontade poderia muito bem ser expressa pelo próprio Burton, um autor que também sofreu constrangimentos impostos pelos "moneymen"...
Mistletoe can be deadly if you eat it, but a kiss can be even deadlier if you mean it. Sem dúvida! Com Tim Burton, uma obra artística direccionada para públicos juvenis (as personagens criadas por Bob Kane é exemplo máximo disso) pode assumir, como aqui se demonstra, contornos de violência física, ambiguidade verbal e eminentemente eróticos.
A desconstrução de imagéticas populares é motivo recorrente na obra de Burton — basta lembrar as presenças constantes do Natal ou do Halloween nos seus filmes —, mas tal, em nenhum outro momento, foi tão longe como este rendez-vous entre Batman e Catwoman. Memorável para o espectador, problemático junto da Motion Picture Association of America. O filme ressentiu-se crítica e financeiramente, mas tal não nos omitiu esta cena fabulosa.
Não é preguiça nem ausência de imaginação que me faz reiterar este título na presente lista. Tal acontece por causa deste momento memorável, um portento visual único, capaz de englobar todas as características do realizador: o sobrenatural como motor da acção, a paleta de cores nocturna e inundada de sombrios contrastes, o design gótico do cenário, a presença de um olhar infantil amedrontado, a banda sonora de Danny Elfman (colaborador regular de Burton) plenamente realçada, o Halloween e outras criaturas míticas recriadas por um brinquedo de criança... Material inconfundivelmente burtoniano.
Esta sequência possui um pequeno spoiler, mas está longe de ser prejudicial para quem não conhece o filme. Contudo, merece ser revista vezes sem conta. Se não for pelo ritmo viciante da mesma, que seja pela detecção de inúmeras nuances recorrentes na filmografia de Tim Burton.
Keyzer Soze é um personagem do filme de 1995, OS SUSPEITOS DO COSTUME.
Soze era o líder de uma secreta organização criminosa; a sua impiedosa personalidade e obscura influência granjeou-lhe um estatuto quase mítico entre agentes da lei e gangsters.
O seu papel no supreendente twist final do filme tornou-se num dos ícones da cultura popular dos anos 90.