quarta-feira, maio 29, 2013

O Cinema dos Anos 2000: The Fog of War: Eleven Lessons from the Life of Robert S. McNamara, de Errol Morris




As possibilidades de um homem como Robert McNamara ser fascinante objecto de estudo para um documentário poderiam afigurar-se mínimas. Nomeadamente por tratar-se de um tecnocrata assumido, um dos principais mentores do processo que levou aos indiscriminados bombardeamentos em massa sobre cidades japonesas durante a Segunda Guerra Mundial, Secretário da Defesa para os mandatos na Casa Branca de John F. Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon, e a quem foi dedicado o epíteto de "A Guerra de McNamara" para caracterizar o envolvimento militar norte-americano no Vietname. Contudo, THE FOG OF WAR: ELEVEN LESSONS FROM THE LIFE OF ROBERT S. MCNAMARA extravasa todos esses pressupostos.

Observar McNamara em pose de confissão, no indubitável estilo de Errol Morris de ter o seu "protagonista" olhos nos olhos do espectador, e a evocar as circunstâncias pivotais da sua longa carreira político-profissional, é um dos momentos de auto-revelação mais entusiasmantes e analíticos no Cinema dos Anos 2000. Figura pouco consensual entre a opinião pública norte-americana (devido, sobretudo, a algumas decisões militares por ele adoptadas), THE FOG OF WAR passa "a pente fino" o discurso íntimo (por vezes, demonstra-se um inusitado voz-off do filme) de McNamara com imagens de arquivo, documentos oficiais e gráficos explicativos, sem nunca parecer parcial ou acusador da personalidade que examina.

No fim, ficam revelações bombásticas de McNamara — como a sua opinião, a propósito da crise dos mísseis de Cuba, em 1962, de que o conflito nuclear foi evitado apenas por "pura sorte" — e a dicotomia Bem versus Mal nas suas memórias para a digestão do observador de THE FOG OF WAR. Assim como as onze lições referidas no título original, semelhantes a ditados extraídos de A Arte da Guerra, para a reflexão da História (seja ela revisionista ou não) e do veredicto das gerações futuras:

1. forme empatia com o inimigo;
2. a racionalidade não nos salvará;
3. existe sempre algo para além de nós mesmos;
4. maximize a eficiência;
5. a proporcionalidade deve ser uma directriz na guerra;
6. obtenha a informação;
7. acreditar e ver podem estar errados ao mesmo tempo;
8. esteja preparado para reexaminar o seu raciocínio;
9. para fazer o bem, por vezes há que fazer o mal.
10. nunca diga nunca.
11. não é possível mudar a natureza humana.

por Samuel Andrade.

Elenco (imagens de arquivo)
. Robert McNamara, Errol Morris, Fidel Castro, Barry Goldwater, Lyndon Johnson, John F. Kennedy, Nikita Khrushchev, Curtis LeMay


Palmarés
. Oscars da Academia: Melhor Documentário (Errol Morris)
. National Board of Review: Melhor Documentário (Errol Morris)
. Círculo de Críticos de Los Angeles: Melhor Filme Não-Ficção (Errol Morris)


Sobre Errol Morris

Cineasta incisivo e cativante nos temas (guerra, crime, direitos humanos) que aborda e inovador (criou o Interrotron, sistema tecnológico que revolucionou o processo de entrevista em filmes documentais) na abordagem técnica, os seus filmes permitem a observação contemporânea da História das sociedades urbanas através de pontos de vista que, a priori, poderiam assemelhar-se como meros fait-divers. Da sua filmografia, destacam-se THE THIN BLUE LINE (1988), A BRIEF HISTORY OF TIME (1991), FIRST PERSON (2000) e STANDARD OPERATING PROCEDURE (2008).





domingo, maio 26, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Matchstick Men — Amigos do Alheio, de Ridley Scott




Em oposição à sua apetência — e consequente estatuto adquirido em Hollywood — por obras de grande dimensão visual, MATCHSTICK MEN — AMIGOS DO ALHEIO é um dos poucos títulos na filmografia de Ridley Scott cujo enfoque está centrado mais no desenvolvimento das personagens do que em sequências cuidada e profusamente concebidas a partir do vincado estilo do realizador. Nesse processo, as subtilezas do argumento desta história de segredos, enganos e mentiras entre pequenos criminosos, assim como o trabalho dos três principais actores (Nicolas Cage, Sam Rockwell e uma então quase estreante Alison Lohman), ficam instantaneamente realçados perante o espectador, permitindo a total compreensão das reviravoltas — tanto de situações como emocionais — do filme.

Sem gimmicks nem "golpes de vista" (o único virtuosismo que se detecta é a fria paleta cromática que John Mathieson, o director de fotografia, aqui engendra), MATCHSTICK MEN é o equivalente, nos anos 2000, ao que A GOLPADA (1973) ou ANATOMIA DO GOLPE (1990) foram para as suas respectivas épocas. A exploração de mecanismos narrativos como a recuperação da honra perdida ou crime em família "defendem" o formalismo clássico do filme, onde a manifestação de diversos coeficientes de manipulação, expressa através de Roy Waller, um protagonista — delicioso e hipocondríaco registo de Nicolas Cage — golpista e, mais tarde, vítima de burla, revela-se como o tema predominante da demonstração artística de Ridley Scott em dias de brandura e contenção.

MATCHSTICK MEN é, em última instância, uma abordagem original ao sub-género dos con men, credível na exposição de quem adopta o lado errado da lei como carreira profissional e, ao mesmo tempo, anseia pela maior normalidade possível na sua vida. Mas a aparência de Roy Waller, na figura daquele típico vizinho pacato e bem-sucedido da sociedade norte-americana, não é mais do que o fruto exclusivo de uma realidade onde imperam manipulação, crime e imperfeição familiar.

por Samuel Andrade.

Elenco
. Nicolas Cage (Roy Waller), Sam Rockwell (Frank Mercer), Alison Lohman (Angela), Bruce Altman (Dr. Harris Klein), Bruce McGill (Chuck Frechette), Sheila Kelley (Kathy)


Sobre Ridley Scott

Com formação em publicidade e artes plásticas e um dos cineastas mais iconoclastas da actualidade, os seus filmes detêm um distintivo estilo visual, onde a atenção ao detalhe da direcção artística e a iluminação inovadora e atmosférica das sequências são factores de reconhecimento imediato. ALIEN — O 8º PASSAGEIRO (1979), BLADE RUNNER — PERIGO IMINENTE (1982), THELMA & LOUISE (1991), GLADIADOR (2000) e CERCADOS (2001) cimentaram a sua reputação de virtuoso e influenciador de muitos jovens realizadores.



sábado, maio 25, 2013

Cannes Buzz 2013

O que se diz lá fora sobre os vinte filmes em Competição pela Palma de Ouro no Festival de Cannes:



. BEHIND THE CANDELABRA, de Steven Soderbergh



«A bizarre anti-Pinocchio parable in which toxic love transforms a handsome young man into a deeply unhappy latex doll.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«Soderbergh clearly delights in the chance to recreate Liberace’s extravagant costumes and palatial living quarters, while challenging auds’ comfort zones in the film’s depiction of a Douglas-Damon mouth-lock or, in one virtuoso single-shot scene, a trip into the blacklight-illuminated backroom of a Vegas sex arcade.»
Peter Debruge, Variety.

«BEHIND THE CANDELABRA is fabulous - so much so that, were it not for the fact that it reveals everything about his private life that he worked so hard to conceal, Liberace himself might well have loved it.»
Todd McCarthy, The Hollywood Reporter.

. BORGMAN, de Alex Van Warmerdam



«This is the kind of film that finds droll pleasure in the sight of dead heads setting in buckets of cement.»
Guy Lodge, Variety.

«A quirky study of the unrelenting grip of evil, the film is beautifully made, though stronger in its intriguing setup than its muddy resolution.»
David Rooney, The Hollywood Reporter.

«In an era where there are very few truly surprising films, BORGMAN is one of the rare movies that manages to find something entirely new to say, with original, oddly drawn characters.»
Sasha Stone, TheWrap.

. GRIGRIS, de Mahamat-Saleh Haroun



«It is a typically calm, lucid drama, presented in the director's unforced, cinematic vernacular and attractively and sympathetically acted.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«The film is easier to admire than it is to invest in emotionally, though its pulse quickens with a dramatic, and boldly untelegraphed, feminist twist in the rural-set final reel, which is all the more surprising coming from a director whose previous films have been overwhelmingly male-dominated.»
Guy Lodge, Variety.

«The sleepy-paced, elementally simple plot initially requires a degree of patience, but the story ends up gently absorbing.»
Stephen Dalton, The Hollywood Reporter.

. HELI, de Amat Escalante



«Escalante is working with very strong dramatic material here, but he never quite shapes it into an engrossing narrative. The abrupt ending is clearly a stylistic statement, but it feels like an evasion.»
Stephen Dalton, The Hollywood Reporter.

«Moments of humor and surrealism [...] at least partially give the audience a break, but by and large, HELI is a despairing, bleak watch. It's a slow, but unrelenting look at one young man's punishing loss of innocence amongst a society that has already decayed beyond understanding.»
Kevin Jagernauth, IndieWire.

«The feeling of parody encroaches and the purported seriousness of the story dissipates. The process of watching the film becomes a game of waiting to see if certain seemingly banal situations descend into horrific violence.»
David Jenkins, Little White Lies.

. INSIDE LLEWYN DAVIS, de Joel e Ethan Coen



«Brilliantly written, terrifically acted, superbly designed and shot; it's a sweet, sad, funny picture about the lost world of folk music which effortlessly immerses us in the period.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«But the work's core and most brilliant filmmaking, as stunning and singular as anything in the Coens' canon, is embodied in what initially feels like a tangent that, among other things, can be viewed as a deadpan satire on the whole "on the road" ethos of the period.»
Todd McCarthy, The Hollywood Reporter.

«The nomadic Llewyn's fleeting misadventures, which find him drifting from one couch to the next while struggling to justify his career, lead to a delicate, restrained portrait that results in a different kind of movie than anything else the siblings have produced.»
Eric Kohn, IndieWire.

. JEUNE & JOLIE, de François Ozon



«JEUNE & JOLIE plays a little like BELLE DE JOUR, but quite without Buñuel's beady-eyed subversion; Ozon is more concerned with keeping the apple-cart tensely teetering, rather than crashing over.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«Holding the cards back from the audience can be a rewarding experience, but here it leaves much of the filmmaker's own purpose not just open to interpretation, but to question.»
Kevin Jagernauth, IndieWire.

«Tellingly, Ozon's beautifully-shot portrait of emptiness ends up itself feeling slightly on the vacuous side.»
John Bleasdale, CineVue.

. JIMMY P. (PSYCHOTHERAPY OF A PLAINS INDIAN), de Arnaud Desplechin



«Few films have focused so intently on the minutiae of psychoanalysis as Desplechin does here — an uncompromising strategy that will undoubtedly distance some viewers while drawing others further in.»
Scott Foundas, Variety.

«Strong turns by Del Toro and Amalric (who thankfully ditches a sea of quirks early on and settles into the part) at least keep things engaging, even if the narrative remains stuck in neutral for large chunks of the film.»
Kevin Jagernauth, IndieWire.

«Although there are discoveries and surprises, the movie is less concerned with some inspirational "breakthrough" than it is in exploring the two characters. In other words, JIMMY P. takes an Oscar-friendly Hollywood genre and tries to strip away the sentimentality.»
Tim Grierson, Paste Magazine.

. LA GRANDE BELLEZZA, de Paolo Sorrentino



«The grande bellezza, like the grande tristezza, can mean love, or sex, or art, or death, but most of all it here means Rome, and the movie wants to drown itself in Rome's fathomless depths of history and worldliness.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«With a narrative that feels more like a line of dashes than a continuous stroke, the film is certain to give indigestion to some, who may dismiss it as a work of cinephile posing rather than genuine depth; never mind that the same censure was leveled at LA DOLCE VITA 53 years ago.»
Jay Weissberg, Variety.

«Life, love, philosophy, religion are just some of his subjects in an indulgent but heady piece of cinema, from a singularly distinctive voice.»
Kevin Jagernauth, IndieWire.

. LA VENUS A LA FOURRURE, de Roman Polanski



«For all its avowed danger and transgression there is something a little bit dated and even genteel in this theatregoers' adventure in sex. Yet Polanski brings to it a certain elegance and wit.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«This is a fun piece of play-acting for as long as it lasts, but it never quite feels like much more.»
Robbie Collin, Telegraph.

«A teasing dialectic of subjugation and power, female objectification and emasculating rebuke.»
David Rooney, The Hollywood Reporter.

. LA VIE D'ADELE - CHAPITRE 1 & 2, de Abdellatif Kechiche



«A searingly intimate character study marked by the most explosively graphic lesbian sex scenes in recent memory.»
Justin Chang, Variety.

«It’s a passionate, poignantly handled love story which, despite an unhinged 3-hour running time, is held together by phenomenal turns from Lea Seydoux and newcomer Adele Exarchopoulos, in what is clearly a breakout performance.»
Jordan Mintzer, The Hollywood Reporter.

«Three-hour movies usually are the terrain of Westerns, period epics or sweeping, tragic romances. They don’t tend to be intimate character pieces, but LA VIE D'ADÈLE — CHAPITRE 1 & 2 more than justifies its length.»
Tim Grierson, Paste Magazine.

. LE PASSÉ, de Asghar Farhadi



«Here it is further supercharged with a grand tragic theme — the past and its pitiless grip on us. Farhadi shows the desperation and anger involved in trying to defy the past, to annul incorrect life-choices.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«An exquisitely sculpted family melodrama in which the end of a marriage is merely the beginning of something else, an indelible tapestry of carefully engineered revelations and deeper human truths.»
Justin Chang, Variety.

«While failing to quite live up to the heart-wrenching moral dilemmas of the director’s previous film, LE PASSÉ offers up plenty of provocative notions about the state of the contemporary family unit, wrapped around a thoroughly engrossing central mystery.»
Shaun Munro, Film School Rejects.

. MICHAEL KOHLHAAS, de Arnaud Des Pallières



«Here is a handsomely-made and admirably high-minded revenge movie, set in 16th century France, that paints its world in glowing, vivid colours, but is rather too much in love with its leading man, Mads Mikkelsen, to achieve the epic grandeur it is aiming at.»
Andrew Pulver, The Guardian.

«The loss of narrative cohesion, however, has less to do with locale than with conception and editing, since the helmer is at a loss to coax out the many subthemes, such as the Protestant-Catholic divide, that give the book such understated richness.»
Jay Weissberg, Variety.

«An old-fashioned, Robin Hood-style revenge tale that favors self-serious storytelling over action and suspense, Arnaud des Pallieres' MICHAEL KOHLHAAS provides a few quick thrills and some beautifully photographed landscapes, but never really convinces as an intellectual’s swords-and-horses period piece.»
Jordan Mintzer, The Hollywood Reporter.

. NEBRASKA, de Alexander Payne



«It is shot, with almost Amish austerity in monochrome, which gives a wintry, end-of-the-world drear to that homely roadside Americana that Payne loves to pick out with his camera.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«Throughout, Payne gently infuses the film's comic tone with strains of longing and regret, always careful to avoid the maudlin or cheaply sentimental.»
Scott Foundas, Variety.

«The story is set in a world that still, both in the cinematic and collective memory, exists in black-and-white. It's stuck, like the leading characters, with decisions made decades ago and that is still defined by the past and a diminishing number of survivors.»
Todd McCarthy, The Hollywood Reporter.

. ONLY GOD FORGIVES, de Nicolas Winding Refn



«Every scene, every frame, is executed with pure formal brilliance. I'm afraid it's going to be even nastier the next time I watch it.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«There’s enough here to fuel a lifetime of therapy sessions, as Refn extends his recent tendency of using cinema to wrestle his demons onscreen. The trouble is, he’s in such expert command of technique [...] that few will see beyond the surface.»
Peter Debruge, Variety.

«While ONLY GOD FORGIVES could be accused of shallowness and lack of psychological complexity, for the target audience, it will be wicked cool entertainment.»
David Rooney, The Hollywood Reporter.

. ONLY LOVERS LEFT ALIVE, de Jim Jarmusch



«An indulgent, eccentric midnight movie with a great deal of muso musing about vinyl and guitars and cool retro stuff.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«Tilda Swinton and Tom Hiddleston have empathic chemistry as the leads, and the pic is a smidge more commercial than Jarmusch’s meandering previous effort, THE LIMITS OF CONTROL. But it still feels like an in-joke intended only for select acolytes, who will probably love it with an undying passion.»
Leslie Felperin, Variety.

«The real pleasure of the film is in its languid droll cool and its romantic portrayal of the central couple, who are now our number one role models in the inevitable event of us turning vampiric.»
Jessica Kiang, IndieWire.

. SOSHITE CHICHI NI NARU / LIKE FATHER, LIKE SON, de Hirokazu Kore-Eda



«A sweet-natured, but essentially undemanding film from Kore-eda.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«Evoking naturalistic performances from everyone involved (the kids are a pure delight), and with a welcome dose of humor, along with the requisite humanity he's known for, Kore-Eda Hirokazu's film is a touchingly low key, a wholly charming study of the evolution of parenthood.»
Kevin Jagernauth, IndieWire.

«Certainly interested in the nature-versus-nurture debate that's always waging in the study of childrearing, but at its core the movie seems more invested in exploring how we foolishly project our own values and needs onto our children, wanting them to justify our existence and legitimize our worldview.»
Tim Grierson, Paste Magazine.

. THE IMMIGRANT, de James Gray



«THE IMMIGRANT is certainly different: but Gray seems to run out of ideas and the film is shapeless and unsatisfying.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«Gray clearly sees something in Cotillard that no other helmer — not even her husband, Guillaume Canet — has brought out in her before. Recognizing the deep, haunted quality of Cotillard's gaze, he features her eyes as the soul of his story.»
Peter Debruge, Variety.

«Enhanced by a splendidly atmospheric recreation of the Lower East Side, the intimately focused work is anchored by another superior performance by Marion Cotillard.»
Todd McCarthy, The Hollywood Reporter.

. TIAN ZHU DING / A TOUCH OF SIN, de Jia Zhangke



«Tonal inconsistency, lethargic pacing and a shortage of fresh insight dilute the storytelling efficacy of this quartet of loosely interconnected episodes involving ordinary people pushed over the edge.»
David Rooney, The Hollywood Reporter.

«If the inscrutability of the main protagonists starts off as an intriguing challenge, by the end of the film's 2 1/4 hour run time, it has become a frustrating effort, that yields little reward.»
Jessica Kiang, IndieWire.

«A TOUCH OF SIN is remarkable in that Jia rather sardonically points out that, more often than not, his characters' lives are improved (albeit briefly) by the violence they embrace. It's a stunning commentary on why our collective belief in might makes right continues to prevail: Violence gets results in ways that more peaceful behavior doesn't.»
Tim Grierson, Paste Magazine.

. UN CHATEAU EN ITALIE, de Valeria Bruni-Tedeschi



«A strained jeu d'ésprit which is smug, precious, carelessly constructed, emotionally negligible, and above all fantastically annoying. It's a terrible waste of real acting talent, including that of Bruni-Tesdeschi.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«Bruni Tedeschi holds all of pic's myriad tangents in a delicate balance, no single one ever rising to the fore, no pressure felt to wrap everything — or anything — up in a tidy package at the end.»
Scott Foundas, Variety.

«Pretty enough, though lacking any real visual distinction, the film has minimal narrative momentum. It's also surprisingly unemotional considering the sorrows endured by its characters and the close parallels with the director's own life.»
David Rooney, The Hollywood Reporter.

. WARA NO TATE / SHIELD OF STRAW, de Takashi Miike



«It is put together with technical competence, but is entirely cliched and preposterous, and it implodes into its own fundamental narrative implausibility.»
Peter Bradshaw, The Guardian.

«Even the hackiest of Hollywood writers would have known how to fix its considerable script problems.»
Peter Debruge, Variety.

«The movie has its pulpy thrills — not to mention a gripping central performance from Takao Osawa — but plausibility issues and an unconvincing exploration of the limits of justice noticeably dampen the fun.»
Tim Grierson, Screen Daily.

sexta-feira, maio 24, 2013

O Cinema dos Anos 2000: American Splendor, de Shari Springer Berman e Robert Pulcini




Antes de os blogs e as redes sociais divagarem acerca das mágoas da Humanidade, já Harvey Pekar resmungava sozinho, em forma de crónica desenhada, sobre os incómodos proporcionados por colegas de trabalho, velhinhas nas filas para as caixas dos supermercados e as mulheres que nunca se apaixonaram por ele numa série de graphic novels intituladas 'American Splendor'. Com a colaboração de artistas firmados como Robert Crumb, Greg Budgett e Gerry Shamray, Pekar transformou amigos, namoradas e esposas em personagens maçadoras e indesejáveis. E quando as suas histórias, infundidas de tragédia e fatalismo, começaram a captar as atenções, ele decidiu colocar a sua fama modesta — e o pouco dinheiro que auferiu da mesma — no centro das suas narrativas.

Da mesma forma, AMERICAN SPLENDOR adapta convincentemente, do papel para o grande ecrã, toda a metaficção patente neste universo, onde a realidade e a imaginação entrecruzam-se no ataque cerrado ao american way of life que não se revela tão transcendental e sofisticado — e as graphic novels de Harvey Pekar eram tudo menos visualmente primorosas — como muito do cinema ou da publicidade quiseram revelar.

Esse pessimismo está profundamente encerrado na visão do mundo promovida pelo protagonista do filme, numa estrutura original que agrupa o biopic documental (os realizadores, Shari Springer Berman e Robert Pulcini, recorrem a imagens de arquivo para a exposição de algum do percurso profissional de Pekar) com banda desenhada e monólogo teatral, adornado pelo fulgurante protagonismo de Paul Giamatti — o actor desaparece na colecção de maneirismos da figura aqui invocada, capaz de heroicizar, paradoxalmente, este genuíno anti-herói com uma das personalidades mais irritáveis e desconcertantes do panorama artístico norte-americano dos anos 70 e 80.

por Samuel Andrade.

Elenco
. Paul Giamatti (Harvey Pekar), Hope Davis (Joyce Brabner), Judah Friedlander (Toby Radloff), James Urbaniak (Robert Crumb), Harvey Pekar (o próprio), Joyce Brabner (a própria), Toby Radloff (o próprio), Josh Hutcherson (Robin)


Palmarés
. Festival de Cannes: Prémio FIPRESCI — Un Certain Regard (Shari Springer Berman, Robert Pulcini)
. Festival de Sundance: Grande Prémio do Júri — Drama (Shari Springer Berman, Robert Pulcini)
. Festival Internacional de Toronto: Melhor Primeiro Filme (Shari Springer Berman, Robert Pulcini)
. Prémios Sant Jordi: Melhor Actor Estrangeiro (Paul Giamatti)
. National Board of Review: Melhor Revelação — Actor (Paul Giamatti), Menção Honrosa
. Círculo de Críticos de Los Angeles: Melhor Filme, Melhor Argumento (Shari Springer Berman, Robert Pulcini)
. Círculo de Críticos de Nova Iorque: Melhor Filme, Melhor Actriz (Hope Davis)
. Writers Guild of America: Melhor Argumento Adaptado (Shari Springer Berman, Robert Pulcini)



quinta-feira, maio 23, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Mystic River, de Clint Eastwood




A cidade como que vive e sobrevive na sua quietude e paciência eternas. As pessoas caminham e se cruzam entre si, preenchendo as ruas, o espaço e os vazios da temporalidade. Na sombra está o rio, o Mystic, que corre sem pressas e sem problemas, sistematicamente, qual cenário belo e fixo. Contempla calmamente o panorama citadino e a vida dos intervenientes da sociedade em que se envolve. Circulando e assistindo ao dia-a-dia, o rio é, porventura, a única testemunha de algumas situações e acontecimentos graves ou preponderantes na charneira que por vezes se desenha à sua frente, incauta e despropositadamente. O rio sabe os segredos mais obscuros, mais esquecidos, e portanto, sabe quase sempre mais que nós, transeuntes e meros peões numa malha que por si só se perde e se emaranha na complexidade da vida.

É neste cenário e sobre este prisma que a história deste filme se desenrola. Divide-se, desde logo, em duas — a primeira, na infância e na inocência própria desta fase. As brincadeiras são muitas, as traquinices ainda mais, e, logo, não será de estranhar que um mero encontro despoletará a mais vil recordação e, infelizmente, a fractura decisiva. Acaso ou não, a situação mudará para sempre a vida dos três amigos, os três protagonistas do filme, à data parceiros inseparáveis. Na segunda parte da história, e transportados anos mais tarde, constatamos que a amizade antes inquebrável se situa agora no limiar entre a memória e o simples reconhecimento. A vida concede voltas, e o seu curso toma direcções díspares, pelo que os três amigos, ainda que vivendo sob o mesmo tecto urbano, assumem posturas e profissões sociais distintas. Os cruzamentos pelo bairro e pela vizinhança revelam apenas e só lembranças e (des)apreço mútuo. A reter, por isso, estará nesta fase, e inequivocamente, a família e o quotidiano que se adensa, pelo que a infância reflecte única e exclusivamente uma nostalgia do passado, vivido sob a alçada do bairro e do rio transversalmente atento.

Entretanto, outro acontecimento se dá, e, uma vez mais, o Mystic é testemunha. Evocando certas memórias, é a partir deste ponto que começará então o mistério e o drama profundamente enraizados e escondidos de há muito. A suspeita, o medo e a incerteza modelam o espaço e, sobretudo, o subconsciente. Como se aquele fatídico dia e o acontecimento consequente nunca pudesse cair no total e absoluto esquecimento. De facto, é evidente, certos traumas permanecem e se demarcam, definindo e construindo identidades e amizades socialmente precipitadas, ao ponto de a confiança dar lugar à acusação e ao desrespeito quando é conveniente. É triste, mas no fim de contas verdadeiro e humano, por mais atroz e cruel que isso possa parecer.

No fundo, três amigos, três adultos e três casais formam a estrutura e a evolução do próprio filme (e da própria vida), sem retorno e sem emenda. Particularmente, determinam a história e o drama presente, que entrelaçado na vivência e na actividade de cada um se desenhará segundo os contornos da personalidade e da crença individuais. Nada resiste à mudança e ao tempo, pelo que o crescimento é inevitável, no bom e no mau sentido, e o que antes era duvidoso e desconfortável, agora pode-se revelar certo e determinante. Ou não, quem sabe?! Aqui, apenas o rio, o Mystic, que é o elo entre as recordações e os acontecimentos presentes, é como que a metáfora das alegrias e das mágoas, as quais aparente e temporariamente ficam submersas, mas que face a actuais tragédias regressam à margem e à superfície com uma brutalidade e crueldade inesperadas. Resta o discernimento, a ponderação e a calma, tão difíceis nestes momentos.

Clint Eastwood, apoiado por uma excelente fotografia e por uma grande banda-sonora, filma o drama numa cadência sombria e policial, e com uma contenção e uma intensidade notáveis. Retrata e explora tanto as nuances psicológicas dos seus personagens, quanto a normalidade e a frieza do quotidiano de um bairro, onde todos se conhecem e onde todos estão, intimamente, prontos a apontar o dedo. Travellings sobre o rio acentuam a sua tal presença assídua, os planos fixos, sinceros e solidários com o argumento demonstram uma opção certa, tal como ainda os ligeiros movimentos de câmera denunciam particulares sequências e momentos fracturantes. A título de exemplo, a cena da revelação da morte de uma personagem e da consequente tomada de conhecimento paternal é tremendamente reveladora deste aspecto. Arrepiante. Grande cena, e a propósito, grande Sean Penn.

MYSTIC RIVER se assume assim, qual rio profundo, como um dos mais ocultos e intensos dramas da década transacta. De emoções fortes e com uma densidade e profundidade destacáveis, é nas personagens, as tais seis pessoas (em sublimes interpretações), que verdadeiramente se define, ainda que, e sempre, a contenção e a respiração que Eastwood é capaz de sustentar o abrilhante ainda mais. Por tudo isto, resta-nos somente mergulhar na realidade, por mais cinzenta e violenta que ela seja.

por Jorge Teixeira (Caminho Largo).

Elenco
. Sean Penn (Jimmy Markum), Tim Robbins (Dave Boyle), Kevin Bacon (Detective Sean Devine), Marcia Gay Harden (Celeste Boyle), Laura Linney (Annabeth Markum), Laurence Fishburne (Detective Sergeant Whitey Powers), Tom Guiry (Brendan Harris), Spencer Treat Clark (Ray Jr. "Silent Ray" Harris), Emmy Rossum (Katie Markum)


Palmarés
. Oscars da Academia: Melhor Actor (Sean Penn), Melhor Actor Secundário (Tim Robbins)
. Globos de Ouro: Melhor Actor — Drama (Sean Penn), Melhor Actor Secundário (Tim Robbins)
. Césares: Melhor Filme Estrangeiro (Clint Eastwood)
. Festival de Cannes: Prémio Golden Coach (Clint Eastwood)
. Prémios Sant Jordi: Melhor Filme Estrangeiro (Clint Eastwood)
. Fotogramas de Plata: Melhor Filme Estrangeiro (Clint Eastwood)
. Satellite Awards: Melhor Actor — Drama (Sean Penn), Melhor Argumento Adaptado (Brian Helgeland)
. National Board of Review: Melhor Filme, Melhor Actor (Sean Penn)
. Screen Actors Guild: Melhor Actor Secundário (Tim Robbins)


Sobre Sean Penn

Bad boy, activista social, realizador (O LADO SELVAGEM, 2007) e um dos actores mais proeminentes da sua geração, despontou para as atenções do mundo com o protagonismo em A ÚLTIMA CAMINHADA (1995, Tim Robbins), numa carreira que soma interpretações determinantes para o seu actual estatuto de grande aclamação crítica: PERSEGUIDO PELO PASSADO (1993, de Brian De Palma), A BARREIRA INVISÍVEL (1998, de Terrence Malick), 21 GRAMAS (2003, de Alejandro González Iñárritu) e MILK (2008, de Gus Van Sant, pelo qual recebeu o segundo Oscar da Academia) são alguns dos títulos que o demarcou dos seus pares.



terça-feira, maio 21, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Belleville Rendez-Vous, de Sylvain Chomet




Os primeiros dez minutos de BELLEVILLE RENDEZ-VOUS representam uma das mais belas e originais sequências animadas dos anos 2000: inspirado no estilo de uma curta-metragem de Max Fleischer, três excêntricas idosas cantoras animam um clube nocturno, freneticamente embrenhadas a dançar e a cantar, debruçadas sobre o microfone, um jazz animado pela guitarra de (também representado no desenho) Django Reinhardt. Quando o número musical termina, apercebemo-nos de que assistíamos à animação dentro da animação, através do recuo da "câmara" de Sylvain Chomet, revelando a protagonista, Madame Souza, a observar esta estranha e deliciosa relíquia na televisão.

É com este género de charme que BELLEVILLE RENDEZ-VOUS encontra os seus maiores encantos e, consequentemente, estatuto de visualização obrigatória. Embora o desenvolvimento das personagens e da narrativa não sejam pontos fortes devidamente estabelecidos, o traço de Chomet é contagiante na concepção desta quase onírica atmosfera, de um tempo — e respectivo progresso — balizado mas nunca estático, do ritmo e da peculiar alegria de uma história sobre a Volta à França, velhinhas mal-humoradas e um enorme cão.

Provando tratar-se de um dos realizadores de cinema de animação mais completos da actualidade — capaz, até, de adaptar a estes meandros um argumento de Jacques Tati nunca filmado, lançado em 2010 com o título O MÁGICO —, Sylvain Chomet reverencia e testa os limites da animação convencional, convertendo BELLEVILLE RENDEZ-VOUS num ousado feito cinematográfico, simultaneamente moderno e tradicional.

por Samuel Andrade.

Elenco (vozes)
. Lina Boudreau (Rose Triplette), Mari-Lou Gauthier (Violette Triplette), Michèle Caucheteux (Blanche Triplette), Béatrice Bonifassi ( as Triplettes), Jean-Claude Donda (Comentador desportivo), Michel Robin (Champion)


Palmarés
. Césares: Melhor Banda Sonora (Benoît Charest)
. Círculo de Críticos de Nova Iorque: Melhor Filme Animado
. Círculo de Críticos de Los Angeles: Melhor Filme Animado, Melhor Banda Sonora (Benoît Charest)



segunda-feira, maio 20, 2013

O Cinema dos Anos 2000: Lost in Translation — O Amor É um Lugar Estranho, de Sofia Coppola




Realizado por Sofia Coppola, LOST IN TRANSLATION — O AMOR É UM LUGAR ESTRANHO é um filme sobre o encontro de dois estranhos em Tokyo. Bob e Charlotte encontram-se no outro canto do mundo por diferentes motivos, mas partilham inúmeros sentimentos que fazem nascer uma grande amizade daqueles encontros. São os sorrisos, os gestos, toda uma linguagem existente entre os dois, uma cumplicidade existente que nos faz adorar e acompanhar aquela relação. Apesar da grande diferença de idades entre eles, ambos se encontram com as suas vidas completamente paradas. Bob está perdido na cidade, embora já estivesse perdido no seu casamento. Conhece Charlotte, a pequena jovem que também se encontra desiludida com o seu relacionamento.

E Sofia Coppola não se fica pelo relacionamento do par de atores, e mostra-nos a moderna cidade de Tokyo. Juntos vão descobrir uma cultura diferente e viver uma pequena jornada que a pouco e pouco, se vai tornado bem mais do que uma mera amizade. Um filme divertido, cheio de emoção. Um filme que volto sempre várias vezes ao ano, só para rever a descoberta daquele amor. LOST IN TRANSLATION é mais um dos grandes filmes da primeira década.

por João Gonçalves (Modern Times).

Elenco
. Bill Murray (Bob Harris), Scarlett Johansson (Charlotte), Giovanni Ribisi (John), Anna Faris (Kelly), Fumihiro Hayashi (Charlie Brown), Akiko Takeshita (Ms. Kawasaki)


Palmarés
. Oscars da Academia: Melhor Argumento Original (Sofia Coppola)
. Globos de Ouro: Melhor Filme — Comédia ou Musical, Melhor Actor — Comédia ou Musical (Bill Murray), Melhor Argumento (Sofia Coppola)
. BAFTA: Melhor Actor (Bill Murray), Melhor Actriz (Scarlett Johansson), Melhor Montagem (Sarah Flack)
. Césares: Melhor Filme Estrangeiro (Sofia Coppola)
. Independent Spirit Awards: Melhor Filme, Melhor Realizador (Sofia Coppola), Melhor Actor (Bill Murray), Melhor Argumento (Sofia Coppola)
. Satellite Awards: Melhor Filme — Comédia ou Musical, Melhor Actor — Comédia ou Musical (Bill Murray), Melhor Argumento Original (Sofia Coppola)
. Festival de Veneza: Prémio Lina Mangiacapre (Sofia Coppola), Prémio Upstream — Melhor Actriz (Scarlett Johansson)
. Festival Internacional de Valladolid: Melhor Novo Talento — Realização (Sofia Coppola), Prémio FIPRESCI (Sofia Coppola)
. Festival Internacional de São Paulo: Prémio da Crítica (Sofia Coppola)
. Fotogramas de Plata: Melhor Filme Estrangeiro (Sofia Coppola)
. Prémios Sant Jordi: Melhor Actor Estrangeiro (Bill Murray), Melhor Actriz Estrangeira (Scarlett Johansson)
. National Board of Review: Prémio Especial (Sofia Coppola)
. Círculo de Críticos de Nova Iorque: Melhor Realizador (Sofia Coppola), Melhor Actor (Bill Murray)
. Círculo de Críticos de Los Angeles: Melhor Actor (Bill Murray), Prémio Nova Geração (Sofia Coppola)
. Writers Guild of America: Melhor Argumento Original (Sofia Coppola)


Sobre Sofia Coppola

Herdeira de um dos apelidos mais icónicos da História do Cinema norte-americano, começou como actriz mas o seu talento apenas se tem afirmado na realização. Autora de inegável espírito indie, centrados em protagonistas femininas e com diálogos cativantes, angariou sucesso crítico e público com AS VIRGENS SUICIDAS (1999), MARIE ANTOINETTE (2006) e SOMEWHERE — ALGURES (2010).



sábado, maio 18, 2013

O Cinema dos Anos 2000: O Regresso, de Andrei Zvyagintsev




Depois de uma longa e inexplicável ausência, o pai dos jovens Andrey e Ivan regressa a casa (uma moradia envelhecida e soturna, a qual indica, só por si, os tempos difíceis vividos por esta família), parecendo não querer perder muito tempo em reatar os laços afectivos com a sua prole. O primeiro passo configura-se na viagem que os três empreendem com o propósito de irem pescar. Aos poucos, a alegre perspectiva, para os dois irmãos, de uma experiência emocionante esvanece-se perante o gradual comportamento estranho e agressivo do pai e, tal como a natureza da ilha escolhida para a pescaria, o ambiente entre eles torna-se primal, hostil e violento.

O REGRESSO, impressionante primeira obra de Andrei Zvyagintsev, permite-se à multiplicação de leituras da história, mensagem e sentimentos encerrados no filme. Mas não obstante a interpretação que se lhe quiser conferir, e a importância da figura paterna nesta narrativa, as atenções de O REGRESSO estão focadas em Ivan e Andrey. Mais precisamente, no modo como os jovens reagem, lidam e maturam com uma crise "filial" gerada pela aparição e comportamento do pai, e do desespero advindo de um irrefutável colmatar, com tormenta, desilusão e impetuosidade, ao défice de influência paternal nas suas vidas.

Para os jovens protagonistas (Vladimir Garin e Ivan Dobronravov, em duas magníficas interpretações que vão muito para além de instinto juvenil), a única manifestação evidente do carácter do pai surge perto do fim, num momento de genuíno altruísmo que poderia ser descrito como amor incondicional. Se essa atitude empresta-lhe, ou não, méritos de redenção, eis uma das muitas ambiguidades do filme, favorecendo o convite que nos é endereçado, por Zvyagintsev, para o debate e reflexão, convertendo O REGRESSO num dos filmes europeus mais provocantes dos anos 2000.

por Samuel Andrade.

Elenco
. Vladimir Garin (Andrei), Ivan Dobronravov (Ivan), Konstantin Lavronenko (Pai), Natalia Vdovina (Mãe)


Palmarés
. Prémios da Academia Europeia: Revelação do Ano (Andrei Zvyagintsev)
. Festival de Veneza: Leão de Ouro (Andrei Zvyagintsev), Prémio SIGNIS (Andrei Zvyagintsev), Prémio 'CinemAvvenire' (Andrei Zvyagintsev), Prémio Luigi De Laurentiis ((Andrei Zvyagintsev, Dmitri Lesnevsky), Prémio Sergio Trasatti (Andrei Zvyagintsev)
. Festival Internacional de Gijón: Prémio Especial do Júri (Andrei Zvyagintsev), Melhor Actor (ex-aequo Vladimir Garin, Konstantin Lavronenko, Ivan Dobronravov), Melhor Argumento (Vladimir Moiseenko, Aleksandr Novototskiy-Vlasov)



Sessão de Curtas #5 — Especial Festival de Cannes



A 66ª edição do Festival de Cannes já decorre em todo o seu fulgor, e esta assume-se como a ocasião perfeita para destacar uma das Competições mais antigas e menos mediáticas do certame: a Palma de Ouro de Curta-Metragem.

Para nós, portugueses, não deverá ser totalmente desconhecida, pois ARENA, de João Salaviza, foi premiado em 2009 neste concurso. Contudo, qual é nosso conhecimento sobre outros exemplos de curtas-metragens premiadas em Cannes?

Infelizmente, a possibilidade actual de visualizar um número considerável de filmes afigura-se complicada e limitada; existem, inclusive, alguns títulos considerados desaparecidos, sendo a versão completa de SCURTA ISTORIE (1956, Ion Popescu-Gogo) o caso mais célebre. No entanto, e graças a uma série de plataformas open source na Internet, o legado de muitas curtas-metragens laureadas em Cannes chegou até aos nossos dias.

Ficam aqui, numa selecção "oficial" e pessoal do Keyzer Soze, dez dos títulos mais interessantes que estiveram — e ganharam — em Competição durante 65 edições do Festival de Cannes, ao mesmo tempo que se elogia a capacidade da curta-metragem em produzir qualidade cinematográfica num formato propício à concisão temporal e provocação temática.

. CRIN BLANC: LE CHEVAL SAUVAGE (1953), de Albert Lamorisse



No sul de França, nas vastas planícies da Carmaga, vive o "Crista Branca", o imponente macho dominante do grupo de cavalos selvagens da região. Apenas Folco, um jovem pescador, é capaz de o domesticar. Uma forte amizade cresce entre rapaz e cavalo, à medida que ambos procuram a liberdade que o mundo dos homens não lhes possibilita.



. CITY OF GOLD (1957), de Colin Low e Wolf Koenig



Vívida recordação do auge da corrida ao ouro em Klondike, Pierre Berton, natural da pequena Dawson City, narra o ambiente que se sentiu na cidade, durante os breves meses em que potenciais garimpeiros desafiaram colinas íngremes e caminhos gelados na busca de lendários campos de ouro, a mais de trinta mil quilómetros a norte de qualquer civilização.



. SKY OVER HOLLAND (1967), de John Fernhout



Filme promocional, rodado em 70mm, que contrasta imagens naturais da característica paisagem da Holanda com as famosas representações que os grandes pintores holandeses do Século XVII lhes dedicaram.



. LA PINCE À ONGLES (1969), de Jean-Claude Carrière



Por vezes, os objectos podem ser caprichosos. Num quarto de hotel, o paradeiro de um corta-unhas escapa de quem julgava ser o seu proprietário exclusivo. Com argumento de Milos Forman, esta é uma intrigante e concisa história sobre estranhos desaparecimentos.



. OPERATION X-70 (1971), de Raoul Servais



Nebelux, uma nação pacífica, é acidentalmente bombardeada pelo gás venenoso X-70, concebido para "manter ratos e cidadãos asiáticos" num estado letárgico e eufórico. No entanto, os resultados daquela arma, na população de Nebelux, são inesperados.



. Z PODNIESIONYMI REKAMI / WITH RAISED HANDS (1986), de Mitko Panov



A fotografia mais icónica do Holocausto — tirada no gueto de Varsóvia — é incisivamente recriada através de uma milagrosa história de evasão.



. AB OVO (1987), de Ferenc Cakó



Animação em areia sobre a História da Humanidade.



. ANINO / SHADOWS (2000), de Raymond Red



Um fotógrafo pobre é atormentado por um ser maligno à saída de uma igreja. Mais tarde, vagueia pela dura e desventurosa realidade da vida nas ruas de Manila, ficando com as suas convicções mais profundas abaladas.



. PIZZA PASSIONATA (2001), de Kari Juusonen



Toivo é um homem tímido e solitário, com memórias recorrentes da sua infância. Mas será que o passado e o poder gastronómico de uma pizza poderão fazer a diferença no que toca a conquistar a mulher dos seus sonhos?



. CHIENNE D'HISTOIRE (2010), de Serge Avédikian



Constantinopla, 1910. As ruas da cidade estão pejadas de cães vadios. O recém-empossado governo, influenciado por um modelo ocidental de sociedade, convoca especialistas europeus para encontrar uma solução para os cães, os quais viverão o exílio forçado, o abandono e o sofrimento.



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